sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Retrato da vida


















Num canto da sala balança a cadeira.Por cima dos óculos observa.Não dá palpites.
A rotina diária,algazarra, correria. Todos apressados, em tropeços, passam por ela.
Sequer percebem que ela percebia.Olha a todos e a tudo.Sem que ninguém a veja.
Os dedos já cansados esboçam um bordado.Parecem mecanizados, de tão acostumados a esses traçados.Chegam à perfeição.
Seu rosto, sem expressão, semblante enrugado, são marcas que ficaram, presentes do tempo.
Um tempo ausente que corre lá fora.Agora mais veloz, levando embora a vida, que ela vê caminhar, além da janela, afastando-se cada vez mais.
Veem-lhe as lembranças.Ricas lembranças.Criança correndo pelo campo, sem tempo, sem marcas, só esperança.Só risos.Sonhos.Fantasias.
Então cerra os olhos.Começa a imaginar.Ouve uma música suave.Esboça um doce sorriso e se pega a rodar, a girar por entre flores, pés descalços na grama úmida...com o vento acariciando seu rostinho de criança feliz.De repente a criança põe-se a correr para um lugar belíssimo, indescritível, inimaginável...
A cadeira já não balança.Permanece imóvel no canto da sala.
Caído ao chão, um bordado perfeito e já terminado.
Repousa de lado aquele rosto sem expressão, marcado agora pela morte.
A lida prossegue lá fora. E lá dentro, a rotina de sempre.É a vida!
Ninguém percebe a partida.

_Carmen Lúcia_

Retrato Pequena narrativa postada lá atrás, no tempo da saudosíssima comunidade do Orkut “Navegantes das Estrelas”.Criada para uma competição. Se ganhei? Não importa. O importante é que participei.

domingo, 17 de dezembro de 2017

Hoje



























O Hoje veio me acordar.
Trouxe- me flores.
Tirou-me da linha do tempo,
deu-me à uma pausa.
Convidou-me para dançar,
sorrir, cantar
até a emoção transbordar.
Vimos o sol nascer,
 resplandecer,
desmaiar.
O horizonte se encontrar
com vestígios do dia
e abraçar a noite
pedindo-lhe para ficar.
Apagamos as luzes.
Cada um deixou a sua brilhar.
Éramos estrelas brilhando sonhos,
sem estresses enfadonhos,
sem mesmices costumeiras.
Em cada esquina
uma poesia traçava
rotas  diferentes,
 lembrando que ainda é hoje,
 a gente é gente.
E o hoje traz a certeza
 do que irá acontecer.
 O amanhã, quem sabe,
traga versos que o poeta
ainda irá escrever.
Traga o hoje pra se viver.

Carmen Lúcia






sábado, 16 de dezembro de 2017

Toques finais



























Faltou suavisar o riso.
Teso, não convenceu,
  não condisse com o olhar.
Se perdeu.

Faltou mais brilho no olhar.
Sem sequer disfarçar
pegou carona num sonho
fora de ar.

Faltou acreditar mais.
Burburinhos desconstroem.
Lançam dúvidas.
Sonhos morrem.

Faltou seguir os arrojos.
Sem chão os pés resvalam.
O tempo prepondera
e ele passou.

Faltou a eloquência dos fatos
plausíveis à sequência perfeita
da vida sem disfarces.
Ultrapassar o primeiro ato.
Ação desfeita.

Faltou probabilidade.
O impacto da verdade.
Um toque de dor.
Fazer a vida andar.
E ela naufragou.



Carmen Lúcia


quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Alma feminina



























Aos nãos da vida disse sim.
À intolerância preconceituosa
a ditar uma vida desastrosa
não mais se irá curvar.
Agora sua alma rege normas.
À sociedade hipócrita vira as costas.
e tão feminina consegue se apresentar,
sem o peso da masculinidade imposta
sobre um corpo onde a delicadeza
divina veio se perpetuar.
Feito menina, vira bailarina.
Tão frágil, tão ela, tão rima…
Esquece o engodo que o acometera.
Nas pontas dos pés saltita e gira.
No palco, as amarras de uma vida falsa.
Na valsa, uma nova vida se anuncia.
Afinal, Luísa ou Luís?
O importante é ser feliz!



Carmen Lúcia

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Ao "Poeta das Rosas" (Homenagem Póstuma)




























Dizem que as rosas não falam,
porém hoje exalam orvalhos de dor,
lágrimas choradas como se falassem
a saudade sentida de seu grande amor…
Partiste, deixando o sonho inacabado,
compartilhado com mil desejos
de contigo também sonhar.
E as rosas desabaram
exaurindo fragrâncias de seu autor…
Cravaram caminhos de pétalas,
beiraram de cores teu andor,
foram contigo cantando versos
afagando feridas,
bendizendo teu regresso
à casa onde um dia
 retornaremos
para vivermos outros sonhos
sem lágrimas ou despedidas,
sem dores ou partidas,
somente rosas floridas,
perfumadas, coloridas,
nas que te inspiraste
e num gesto de amor,
poetizaste.



Carmen Lúcia



segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Nova vida






















Liberto a dor.
Debatia-se.
Doía.
Queria sair.
Abri a cancela.
Ela se foi.
Livre, perdeu o rancor.
Tornou-se leve.
Não mais se atreve.
Levou bagagens.
Feridas, marcas, amargor…
Contendas geradas pelo desamor.
Abriu fendas.
A luz invade.
Cura cicatrizes.
Novas diretrizes
vêm pra demarcar.
Foca a alma.
Toca o coração.
Conduz à nova vida.
Ressurreição.

Carmen Lúcia



sábado, 2 de dezembro de 2017

Fatos ou suposições?





























Essa vontade de muros,
de ninguém ultrapassar.
Esse mundo que é nosso
e não ter onde morar,
política da má vizinhança,
egoísmo a tripudiar…
O suicídio da esperança,
desequilíbrio no amar…
O estio sem cigarra
agourando se a chuva virá,
tanta sede a desandar
sobre a terra que desarvora,
 a Mãe-Terra que não chora
por não ter o que chorar.
O elo de alianças rompido,
o desgoverno corrompido…
Num dia o rio corre,
noutro, morre sem ver o mar.
Tudo me faz refletir:
Qual será nosso porvir?
O que ainda está por vir?
Amanhecerá? 
A manhã será?
O sol ainda brilha…
Haverá?



Carmen Lúcia

domingo, 26 de novembro de 2017

Papai Noel
















Papai Noel,
olha para os retirantes…
Refugiados.Itinerantes.
O que fizeram de errado?
Por que serem crucificados?
Entre outros, inocentes crianças
esperando você e a esperança…
Nem brinquedos! Só viver
num lugar de poder brincar,
sem morrer, nem naufragar…
Mostra-lhes o caminho
se é que pode interferir no destino,
já que é o mais esperado da festa
onde os excluídos pagam pelo pecado
 da sociedade que não sabe o que é Natal.
E Jesus é posto de lado.
Abra-lhes o oceano.
Resgata-lhes os planos.
Apruma-lhes o barco.
Guarda suas renas na incoerência
dessa vida sem sentido,
de Jesus denegrido.
Aparente, apenas.
Segura a mão de quem está esquecido,
engolido pelo leão das arenas…
Dá-lhes ouvido.
Atende às suas cartas que mais do que pedidos,
são gritos de socorro!
Seja as luzinhas brilhando a direção.
A estrela-guia da peregrinação.
Serre as grades de todo portão.
Liberta, um a um, cada irmão.

E segue a trilha do bom Papai Noel,
cumprindo bem o seu papel.

Carmen Lúcia



quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Caravana




















Abranda os passos.
O mundo é um círculo.
Leva sempre ao mesmo lugar.
Não há canto, não há reta,
direção perpendicular.
Alinhe o andar sem intenção de chegar.
Horizonte-se na linha que virá,
 ainda que o tempo se alongue
e as estações tendam a mudar.
Não perca o compasso.
Há primavera em todo lugar.
Siga a caravana no espaço
dos que sonham seus ideais.
E aportam no mesmo cais.
Veja as velas içadas no mar
navegando mistérios abissais,
na calmaria de um sopro de vento
de uma viagem que só leva,
não traz.
Caminha feito as aves
em migração perfeita
caravana rara e feita
de almas que voam
pelas estradas do céu.
Junte-se à comitiva errante.
Se errar, siga adiante.
Há tempo pra recomeçar.

Vigia os pensamentos.
Cuida dos sentimentos.
Conquista o território sagrado…
No comboio da emoção
deposita o coração.
E deixa a vida passar.


Carmen Lúcia




domingo, 19 de novembro de 2017

Vida louca


























Vida, oh vida!
Pra que me convidas?
Um dia és chuva
N’outro és sol
Às vezes diluvas
N’outras, arrebol...
Nem sempre equilibras
Me tiras o chão
Nem sempre és viga
De edificação.
És tão inconstante...
Se não te garantes
Me deixes aqui.
Sigas cambaleante
Buscando...O quê?
Quem sabe procuras
O que te preenches
A parte restante
Do ser...Ou não ser.
Voltes quando puderes
Teu vazio, exime.
Não te subestimes...

Vida, oh vida!
Busque o que te alucina
Segue tua sina
Não vivas esperando.
Espera vivendo.


Carmen Lúcia

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Jardim secreto





















Meu jardim vai de rosa a jasmim,
 tons, semitons de grená a carmim,
substrato plantado em segredo
à espera do enredo escondido no tempo.
Nutre palavras colhidas do encanto,
tocadas ao vento, caídas cá dentro
brotando o que sabem de mim.

Meu jardim é de borboletas
a festejar o que virá...
ora vermelhas, ora grenás,
ora tão pretas, Vinícius de Morais.
Xeretas, a bisbilhotar
 colibris do lado de lá.

Meu jardim é parte de mim.
Retorno do carinho sem fim...
Da pétala macia que vem afagar
e beija o chão, e rodopia o ar.
Cheiro de alfazema em noite de lua,
rastro de estrelas perdidas na rua.

Meu jardim é qualquer estação.
Obra de artista, vaivém de emoção.
Meu jardim é o amor que assim faz,
além da janela, o sonho que traz
dentro do peito, silêncio e paz.

Carmen Lúcia


quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Mea culpa



















Faço o “mea culpa".
Qual a pena que a indignação indulta?
Ficar indignado, braços cruzados,
mãos atadas, olhos fechados?
Deixar acontecer e dizer-se pasmo?
Abrir as portas pra desejos torpes,
sentimentos precários,ordinários
se a reflexão sincera e leve
filtra qualquer arbitrariedade,
promiscuidade, falsa moralidade
ao lembrar os valores almejados
que agora pendem a balança
para o lado errado?
Quantas vezes pude intervir,
e à zona de conforto me prendi?
Fingi não ser comigo
e boa parte me cabia.
A mim, a você, a nós...
Deixei calar minha voz.
Contribuí com uma realidade falsa,
cônscia do que poderia acontecer.
Dei um grão de areia...
Assim como você
e o mínimo formou um deserto.
Do oceano, vi gotas se evaporando...
“e o mar virou sertão”...
Virei as costas sem calejar a mão.
A história está traçada.
Sem mocinhos, sem heróis, com vilões.
E eu, com minha indignação,
sou plateia, sou palhaça.
De um circo de lobos, alcateia,
aguardando o herói vencedor
 dar o grito libertador,
onde o silêncio brada mais alto.


Carmen Lúcia




domingo, 5 de novembro de 2017

O canto da cigarra





























Em jardins transplantados
por doações duvidosas
transitam travestidas rosas,
resquícios de olores ofegantes
oriundos de flores mutantes,
engodos constantes
a planear reles beleza arredia
que não se deve apalpar,
oculta do sol,
da luz que vacila,
de borboletas vadias,
ávidas para sugar,
de colibris atrevidos
vestidos para beijar,
caminho entre canteiros
destilando o que sinto
-meu eu verdadeiro-
em simbiose com o absinto
na fase amarga, intransigente.
Destilo overdose
numa eclosão do excesso,
drogas que não ingeri  
e a toda hora vejo
tendo que engolir,
estática, sem reação,
impotente a qualquer ação...
Derrotada, cruzo os braços.

Verão, ensurdecedor, o cicio da cigarra
sobrepondo-se a outros sons,
calando-os.
Impondo seu canto forte.
Anunciando a própria morte.


Carmen Lúcia



sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Contrastes primaveris



























Colibris sagram amores,
o céu abençoa flores,
a estação vem pra reinar
nos solos do Brasil...
Isenta de tal oferenda
a dor traz  seu recado
num tom bem pueril
incomplacente ao que se sente,
conivente ao desacato,
agnóstica ao  aparato.
Tanta beleza dispersa.
Cores esbanjam talento,
entre um bailado e outro
pincelam muros caiados,
o tempo ganho a ser gasto.
O fogo, ateado pelo homem,
ceifa vidas infantis...
destrói a construção de sonhos,
 o que viria a se concretizar,
carbonizando o coração
e o verbo amar.
Borboletas safam-se dos ardis,
roçam suas asas
em feridas sangrentas
tentando aliviar. 
Ei-la, Ela, Helley,
 entre chamas eloquentes
morre salvando inocentes.
Balas ecoam certeiras
e as camélias alvissareiras
não deixam de se pronunciar...
Brancas, fagueiras, gentis,
exalam jatos primaveris
sobre pútridos e falsos perfis
onde a incoerência bate e volta
e a revolta é o perfume
a impregnar o ar.


Carmen Lúcia





quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Contração
























Algo indescritível me traz aqui...
Novamente aqui...
Frente ao que me foge,
diante do que fugi,
do que não mais alcanço e me engole,
  não mais me atrevo. Esqueci.
Ou finjo não fazer parte de mim.

Algo mais forte que a própria força
do vento, do tempo, do universo,
do reverso que faz o mundo assim,
me conduz , me rege, destroça,
desacerta a direção
e em voz de comando
me traz para si,
aqui...

 E venho, e vim, e virei...
O coração dita a lei,
a emoção abre espaço,
arde no peito a inspiração,
debate-se em contração...
Palavras se enfileiram ao lado,
ofertam seus significados,
e uma a uma,  posicionadas,
desenham meu interior
expondo o que vieram fazer,
pra que vim
e sempre virei.


Carmen Lúcia


segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Vem, Primavera!
























Vem, Primavera,
deixa tua marca sobre a terra,
tanta beleza embevece
e enquanto passas, entorpeces
 sentimentos prestes a morrer.

Vem, Primavera,
não desapontes quem te espera,
teu aroma chega nas vésperas,
tua essência reverbera,
tuas cores vêm depois...
Encobre o frio do inverno
congelando corações.

Lamento o chão inundado
de lágrimas roladas, pranto salgado,
o  ar impuro,
 fumaça suja de quem o exala.
O mar de lama infindo
onde nosso barco vem caindo.

Tanta primavera assim
não há de ser em vão....
Ainda há de haver sensibilidade,
motivo pra celebração.
Passes altiva sem te macular,
conserves as vestes divinas sem te sujar,
pássaros tristes irão te saudar,
borboletas deixarão os casulos
e um tanto amassadas
sobrevoarão o lugar.
Amores renascerão
rastreando tuas flores,
rimando com tuas cores,
as mesmas que trazias
e fazias o mundo vibrar...

Vem, Primavera,
faz a tua festa,
sejas nossa alegria
ainda que utopia
pra nos fazer sonhar.


Carmen Lúcia



quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Quase



























Quase fui,
mas a pressa de avançar,
encarar o desconhecido,
cravar os pés desprotegidos
em terras que os poderiam tragar,
fez-me sentir medo...
E recuar.

Quase deixei
envolver-me a emoção
quando batendo no cais
mares e barcos tardios
lançaram suas velas,
redes para me sequestrar.
E eu, resgatando-me,
tive que ficar.

Quase segui
a caravana que passou...
Cigana expatriada,
sem destino, em abandono,
entregue à liberdade
de ser como o vento,
de não calar a verdade,
de ser quem não sou...
Coragem para prosseguir
  foi o que faltou.

Quase desisti...
Faltava aquela palavra
para enfeitar o verso
e ela zombava, fugia,
não queria ser rima,
fazer parte da poesia,
iluminar meu universo.
 Num esforço triunfante,
força que desconhecia,
trouxe para o poema
a palavra que lhe pertencia.


Carmen Lúcia






Primavera e ilusão























Finda-se a espera.
E a primavera ronda o ar.
De enorme beleza
prepara seu trunfo,
espreita seu mundo,
sonda seu lugar,
 espaço onde brotar
cores, flores, amores,
essas rimas singelas
nascidas  à vela
essências do amar.
 Sob crivos de pureza
reverbera
tempos de delicadeza,
luzes para clarear.


De chuvas de lágrimas
orvalha-se,
crisálida ainda presa,
prepara-se,
supera tristezas,
casulos da escuridão,
une-se às rimas,
faz-se versos
de alegria e solidão.

Semiborboleta
de promessas vestida
refaz a emoção...
Retoca a poesia,
seduz o poeta
a mais uma ilusão.
Basta o sol nascer de novo,
romper-se a casca,
deixar o ovo,
cicatrizar a ferida,
e a borboleta atrevida
voa bailando jardins
na primavera dos sonhos
plantados  dentro de mim.



Carmen Lúcia


terça-feira, 18 de julho de 2017

Rédeas soltas


















Solto as rédeas.
Deixo  o pensamento
comandar o momento.
O importante é me entregar,
decolar desse porto sem cais,
abandonar o navio, o vazio,
caóticas e insolúveis situações.
Ir onde ele bem me levar
sem temer o que virá,
o que verei, o que será….
Roletar direções,
represar previsões
que erram a todo instante
incorrendo em tempestades
as imprevisões diárias.
Por ora viajo com meu pensamento
liberando endorfina,
combustível para meu pensar,
oxigênio para meus neurônios
sem saber onde vai dar…
Circundando a rosa dos ventos
tatuada no tempo,
em sonhos e irrealizações.
Disperso poemas,
sentimentos guardados,
chorados, calados,
inerentes aos temas
que já não estão sobre as mesas.
Um pouco acima do chão
deixo um vão...
-entre o abstrato e o concreto-
Talvez uma passagem
para algum amor secreto;
um decreto publicado em poesia
em pleno trajeto.

Voo com meu pensamento
até onde possa voar…
Com ele tenho alento,
paciência pra me adaptar.
E volto “resiliência,”
apta a continuar.

Carmen Lúcia





quarta-feira, 28 de junho de 2017

Liberdade























Mostrei o que sou.
O que realmente modula em mim;
fui contra as marés,
emergi de um abismo sem fim.
Cruzei linhas paralelas,
 corri na contramão do vento, do tempo 
e me alcancei na última estação...
 
Rasguei minha carne, expus meu avesso,
o meu contexto
e toda a sensibilidade verbal,emocional,
escondida em contra senso,
sufocando o bem, endeusando o mal.
 
Postei nua minha identidade
e toda a verdade antissocial ...
chocando a realidade dura.
Vomitei iniquidades cruas
ingeridas por razão irracional
sob forte pressão radical.
 
Viajo sem malas.
Sem revolta ou bilhete de volta.
Sinto-me leve, nada que me pese,
sem alças das parafernálias
que pendurei num tempo que já teve fim.
 
Sigo só... melhor assim.
Insana, estranha, profana
é o que pensam e podem pensar de mim.
 
 
(Carmen Lúcia)

Quinta fase da lua





























O tempo escorre…
E a vida devagar tolhe
devaneios parcos,  poucos,
sonhos enroscados,
perdidos, afoitos,
famintos de querer  ficar.
Ocultos em oposição ao vento
pedem por socorro
e não os carregar,
clamam abraços de um poeta louco
ao não  se dar conta
 que o tempo é pouco
pra investir tanta emoção
e se emaranha nesse espaço roto,
por contradição,
nessa trajetória breve
que descreve
um caminho torto
onde o espinho arde
e a flor já não mais dá.
Mas se o motivo é arte
há que se cumprir a sina
da poesia que invade…
Ainda que o sol se (o)ponha
e na última esquina
de qualquer rua
aponte nua
em inusitada quinta fase,
a lua.

Carmen Lúcia



terça-feira, 13 de junho de 2017

Respostas sem perguntas















Reveste-se de pátina o cenário.
Personagens reais ou imaginários,
envelhecidos,
tribais.
Não pela ação do tempo.
 Por ali ele nem passa.
 Ultrapassa.
Assim como a ação da luz.
Descompassa,
 não seduz.

Quem são?
De onde vêm?  
Paridos de qual solidão?
O que não têm?
O que veda o sofrimento
 frente a tal confinamento?
No gueto,
o unguento a entorpecer feridas,
prisão cercada de fumaça e pó,
desamor a representar sem dó
 atos desencadeando  nãos  à vida.

E a sociedade, cheia de respostas,
de ideias e intervenções,
ações supostas,
olhos turvos de ramela,
olhar que reprime, atrela,
 lança a novas reclusões
sem a profundidade
precisa de um olhar,
onde se é juiz e promotor.
Sem réu.
Onde jaz todo valor
sem julgar a dor.

Arrogância, hipocrisia,
intolerância à revelia,
antropologia imoral,
um faz de conta geral
do rumo certo tomado  
e o certo ou errado
já se tornaram utopia.
Vultos sem rostos,
 vivos-mortos,
filhos da urbanização patológica.
 Não perguntam,  querem não ser.
Inibem a cara pro sol, tentam se esconder.
Lançar mão da droga para não doer
a dor que dói mais que se drogar…

São parte da sociedade,
não excluídos da Constituição,
prescritos na bíblia sagrada,
 sagrados em comunhão
ou o Cristo da revolta,
 “Atire a primeira pedra…”
não mais se revolta?
 Morreu?

A Cracolândia existe.
É o avesso do mundo.
Seu  lado contrário e imundo.
A realidade triste
que persiste em desdizer
o que sabemos
sobre condição humana.


 Carmen Lúcia





domingo, 23 de abril de 2017

A poesia espera


























A poesia espera
a flor nascer  no jardim,
o beija- flor voltear
a rosa vestindo carmim,
num beijo doce selar
o amor que não tem fim.

A poesia espera
o beijo frio da estrela,
o último pôr do sol,
a próxima lua cheia,
o  eclipse total,
a aurora boreal,
e toda a beleza celeste…

A poesia espera
a distância encurtar,
o encontro acontecer,
a aproximação vincular
almas que se buscam,
se amam, se ofuscam,
andarilhas na multidão
sem ter onde ancorar.

A poesia espera
o momento lento,
 o silêncio bento
de palavras caladas
e incalculáveis significados,
instantes eternizados,
sentimentos tantos,santos,
raridades, verdades…

A poesia espera
o rio transbordar, enfim,
e alagar toda tristeza
curando desastrosa crueza
a afluir num mar sem fim…

A poesia espera
o arrojo do arrependimento,
a delicadeza do perdão,
 o ápice do arrebatamento
enquanto o poeta dá vazão
a um turbilhão de sentimentos.


Carmen Lúcia


quinta-feira, 6 de abril de 2017

Contra versões




















Em qual versão me perdi? 
Foram tantas que vivi,
 expostas e inconvincentes.
Talvez em todas ou nenhuma.
Ou quem sabe
na tradução que imaginara
ser tal qual o meu perfil.
Porém ele se modificara
de acordo com os traslados dos dias
a interferirem  na alma
seguindo a revolução decorrente dos fatos
que lacram, decepam, descartam…
buscando entre boatos e mentiras
uma verdade sincera
a qual me propusera
julgando ser o caminho ideal.
Quimeras…
Foram tantas as versões…
Verdades se multiplicaram,
confundiram minhas (re)ações.
Insensatez…
Volto ao ponto inicial
e recomeço outra vez.


Carmen Lúcia



sexta-feira, 31 de março de 2017

Tempo da sabedoria


























Era, de todos os tempos,
o melhor …
Tempo em que se atirava
a impulsos tresloucados
sem medir o que viria
 da insensatez  de nada medir.
Em que a inconsequência era fato,
não impedia a ousadia do ato
de se fazer o que bem se quis.
Era um ser feliz por um instante,
ou por uma eternidade…
Era um se entregar constante
 por caminhos da liberdade,
a sede de beber felicidade
 sem o certo ou errado, nenhuma falsidade.
Dar o pulo do gato, desvendar o segredo
ainda que se quebrasse a cara
ficando de cara com a tristeza
a servir de consolo
ou  lição para a evolução.

Era tudo ao mesmo tempo,
eclosão de sensações,
explosão de sentimentos
em que não se ponderava…
Pior não ter feito nada
e se arrependido
depois do tempo perdido.

Era um tempo em que se vivia.
 Era o tempo da sabedoria.


Carmen Lúcia


quarta-feira, 29 de março de 2017

Dias conturbados



















Nesse tempo de rapidez tamanha,
de não mais saber onde mora o longe,
da tecnologia que nosso ar respira
e o pensar expira, pois a tudo ela responde,
da compulsão de olhar para uma tela fria
causando estragos, mentes doentias,
largando um mundo inteiro para lá,
juntando distâncias que se percorria
com a emoção de se querer chegar,
de se encontrar, trocar carinhos, 
sentindo o toque real  de tal magia…

Perco-me em pensamentos
num vaivém de dias desencontrados.
O ano quase se foi,
os meses não querem ficar,
os dias apressados
estão todos agendados.
O amanhã já é ontem,
o ontem virou saudade,
o hoje está cansado,
 chegou bem atrasado.

Despeço-me dos ricos detalhes.
Merecem pausa  para os apreciar.
Despeço-me da fantasia,
o tempo é curto pra se divagar…
A noite  vem chegando,
o dia vai raiar…
Não dá mais  para sonhar.


Carmen Lúcia




terça-feira, 28 de março de 2017

Os olhos de Carmen!




















Poema de Mauro Veras


.
Na foto, dois olhos, duas portas abertas
e a sede de conquistas que impulsiona navegadores:
o coração sempre a bater destemido!
o trem que apita sem dizer o destino!

Carmen, carmina, carme ... se acalme, poeta!
a jovem musa tem a essência das flores,
mas tem a força e o calor do sol a pino
sobre a areia fina de uma praia deserta.

Seus olhos denunciam o arrebatamento das paixões,
das paixões que movem legiões de soldados,
que têm o destemor dos riscos e do perigo
mas que também é suave como a muda do trigo!

Carmen Lúcia, a poetisa densa e amorosa
dona de uma poesia fina e arriscada, como as rosas ...
onde, envergonhado, um pequeno espinho se amiúda e some ...

Carmen Lúcia ... o que mais esperar da mulher
que traz a poesia e a luz no próprio nome?


Obs.: Poema realizado durante a cerimônia de minha posse na Academia Virtual Navegantes das Estrelas, em 01/11/2006, e dedicado à poetisa Carmen Lúcia.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Protagonizando o outono





















Vivo o outono.
Não só a estação do tempo,
também a que trago aqui dentro,
outorgando tristonha
o cair  de folhas secas
e sua entrega ao vento.

No ar, galopa a polinização,
sem posição, sem direção, sem reta,
 um redemoinho de grãos
buscando lugar para procriar…
Em mim, rebelião de células
que desocupam lugar e secam,
causando  tristeza,  transtorno
 embolando-se com o outono.

Mistura de cheiros em ebulição,
Infusão a machucar o pulmão
dificultando o respirar
provocando inquietação,
o desconforto de não saber explicar
o que não tem explicação.

Vivo o protagonismo da estação.
Sou folha que cai e se rende ao vento,
a fragilidade do amor que se vai
e se abriga ao relento.
A árvore desnuda
sem sequer uma muda
pra lhe agasalhar.

Temporariamente sou  outono.
Infinitamente continuo outono.
Tom tristonho, cores irreais,
folha amarelada em abandono
de papel ou de outono,
à espera de uma história imortal.

Carmen Lúcia




sábado, 25 de março de 2017

A magia do pensamento




















Voa, pensamento, voa…
Veja a primavera em Berlim!
As folhas por aqui morrem,
flores estão sem jardim,
dormem, tristonhos, os beija-flores,
borboletas procuram suas cores.

Voa, pensamento, voa,
cruza as terras do além-mar,
abraça Lisboa, Tomar,
Cascais e suas conchinhas,
beija Luizas a faiscar
poemas e telas sem planos
naifgando  Pessoas, Fridas,
Caetanos.

Permeia ruas em Paris,
segue a rota que bem lhe condiz
cega-se ao brilho da luz,
faz o que ainda não fiz,
embroma-se nas lavandas,
embriaga-se de perfume
e voa seguindo seu lume.

Voa sobre oceanos
envoltos de brumas ao amanhecer,
espera a lua acordar,
o sol desaparecer
e banhe-se ao luar.


Volta quando tudo mudar.
Aqui está como antes,
sem flores, sem cores,  sem atenuantes…
Volta quando a primavera voltar.
De cada canto me traga um encanto.
Semeia-me da essência de cada lugar.
Voa, pensamento, no etéreo de sua magia
Você pode voar…


Carmen Lúcia