quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Paragens


 












 

Prossigo

embora fique aqui.

Após algumas paragens

finco meu machado nessa

e paro.

Cheias de impossibilidades

são paragens que inibem continuar.

Veracidades atrozes,

profecias, prognósticos letais.

A lei do retorno,

consequências fatais.

 

 

A obrigatoriedade

da voz da consciência

impede-me os passos.

Não o meu espaço ilimitado

 guardado no mais sacro de mim

carregando o cansaço de não poder ir.

Quebrando pedras,

plantando flores,

sou Cora Coralina

no isolamento,

 no clamor de meus amores.

 

 Desenho o recomeço.

Abraço o universo.

 Vida sem disfarces,

realidade que desconheço

e feito leque vai se abrindo

numa revelação de porquês.

 

Da janela vejo um novo sol,

a lua nascer de outro arrebol

em sua fase mais feliz...

o horizonte beijar o mar,

o céu escrever outro enredo

e a humanidade atravessar

o oceano de seus medos.

 

 

Carmen Lúcia

 

 

 

 

 

 

 

 


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Mundo paralelo


 













Crio um novo mundo.

Renovo o que esmoreceu,

restos de vida sem vida,

fragmentos de histórias vencidas,

validades não prescritas.

 Reporto o que aqui não cabe,

deporto o que me faz mal.

Fujo do que deprime,

não me apraz o que suprime

o riso, a essência, a matéria...

 Não carece ser prima...

Basta ser compatível

 ao se encostar em minha pele

e arrepiar tantos sentimentos

abarrotados em mim.

 Que eu possa vesti-la

e me sentir confortável

em meu jeito simples de ser,

ainda que em tempo instável,

 sujeito a mortes, decepções,

 intolerâncias, prisões

 e sonhos caçados.

 

Então perco o chão

na transcendência,

 eloquência

 impaciência

de levar meu imaginário

(sem elo)

a um paralelo

 mundo são.

 

 

Carmen Lúcia


sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Aleluia


 






 

 

A casa é a mesma.

Só não é a mesma cor.

Umas pinceladas claras

  -pátina sobre a dor-

e a leve impressão de que mudou.

Do portal, a Mantiqueira vigia,

a tudo presencia...

o entra e sai,

o leva-e-traz,

as manchetes matinais.

Aves fazem folia

festejam a alforria,

farfalham com alegria...

seriemas quebram a festa.

Tristes trinados... persistem.

A razão ninguém sabe,

nem quer saber....

Plantas nascem, crescem

no vaivém da vida,

chuvas caem, grossas, finas.

raios urram, donos do céu.

Grama esparrama,

lama atola...

A flor aflora, aqui e agora.

O sino da capela não toca

nem convoca.

O riso se cala, a fala é rara.

Há paz. Tanto faz.

O sol ainda nasce,

desperdiça beleza.

O arrebol hipnotiza

e a noite traz o breu.

A lua se escondeu.

Ninguém plantou “Aleluia”...

Ia doer. Chega de dor...

Falta algo. Não sei o quê.

Meu portal sabe.

Talvez você.

 

 

Carmen Lúcia

 

 

 

 


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Um poema diferente


 











 

 

queria que meu poema

não refletisse o que sinto

e em alguns versos inventasse

sentimentos que não sinto

somente para agradar...

ou simplesmente expressasse

o que não consigo escrever...

nem ser....

 

queria que meu poema

alcançasse as manhãs

se banhasse de luz

entremeasse a tarde

roubasse a nostalgia

entrevistasse a noite

e me trouxesse notícias de um amanhã

sem o fardo da incerteza.

 

queria que meu poema me entendesse mais

cobrasse menos o que não serei jamais

- quando grito agruras pra ninguém escutar-

mas  ele ouve e me retorna espelho

o  impacto me faz recuar ao vê-lo

e volto evadida ao ponto de partida.

 

queria um poema manso

-sem as agitações do mar-

um poema branco, brando

barco em águas mansas

abrindo portas para a paz entrar.

 

mas esse poema me foge

o papel não deixa espaço

para alegrias disfarçadas

palavras impostas por precaução

rimas que perderam o viço

emoções caídas pelo chão.

 

 

Carmen Lúcia

 

 

 

 

 

 


segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O sonho mais bonito


 








 

 

 

Procura andar onde o coração pede

onde seu passo insista em estar

para que o sonho deslize

sem que precise de novo sonhar

 

Espera o momento certo

aquele que avisa

a hora de vestir a fantasia

o instante da transformação

da abstração para o concreto

da mente para a consumação

 

Invista no sonho...

é combustível para a vida

 janela para a liberdade

é estar aqui dentro, estando lá fora

a buscar entre perdidos e achados

a verdade.

 

Então poderá voar

a procura do sonho mais bonito

aquele que não está escrito

em qualquer página de livro

e de improviso leva às estrelas.

 

 

Carmen Lúcia

 


sábado, 7 de novembro de 2020

Eclipse humano


 












 

O sol espia

provoca

inunda, fecunda

evoca

alcança cá, acolá,

menos o aqui...

não há como alcançar

nem mesmo um raio

consegue chegar lá.

 

O girassol se mostra

aposta

na manhã

no dia que será.

Sob comandos solares

põe à prova

sua liberdade

e se prostra nos lugares

a girar.

 

Coração carente

irreverente

não vibra

Triste

se equilibra

resiste

faz sombra

e a luz desiste de entrar.

 

O sol lampeja

raios de vitória

sorri por se alastrar

coroa-se de aurora

cores dançam em desagravo

ao eclipse humano

ao inconsequente

ato desumano.

 

Carmen Lúcia


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Dias iguais


 












 

 

Nessa rotina de dias cruciais,

 mar igual e barcos desiguais,

tempo diferente sujeito a temporais,

o medo, a dúvida, a ansiedade

de mãos dadas querem assustar...

 

Num cerco ao ser humano

fazem a ciranda girar

sem ter onde ancorar ou resistir.

Ao homem resta se resignar.

Guarda consigo os motivos

que o levam a sonhar.

 

Mergulha em si para refletir.

Busca encarar sua alma,

achar algo que o ajude a ser.

Seu próprio ventre para renascer,

sua sensibilidade para florescer,

desabrochar na arte de escrever,

cantar, dançar, viver.

 

No azul de um céu em festa

o sol é luz, é lampejo, é abraço...

A natureza viva manifesta

a paz que viraliza sem fazer mal.

 

O homem compreende, sem falar,

necessário se faz isolar...

quem sabe uma onda de amor

vinda do universo ou algum mar

traga o bem e carregue a dor.

 

 

 

Carmen Lúcia


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Pacto










 

Compactuo comigo mesma.

Coloco um filtro na realidade

onde os sonhos mais urgentes

não querem acordar.

Purifico o que pode penetrar

e me fazer melhor.

Nada é pior que não tentar.

Deixo levezas umedecer o pó,

lugares onde a aridez gerou trincas

e a dor se infiltrou sem dó.

Barro excessos.

O peso torna-se indigesto,

fardo que não quero engolir.

Nada que me impeça de ser,

 crer, viver.

Nada a fragilizar minha realização humana.

Abraço conteúdos substanciais

sem trair minha essência, meus ancestrais.

Dispenso embalagens.

São teias onde posso me enroscar.

À luz do sol aceno.

Arranco o filtro pra ela entrar.

Que se alastre, ocupe os cantos, seja festa.

Faça-me pensar que toda hora é dia

e a cada instante me vejo amanhecendo

por todo tempo que me resta.

 

 

Carmen Lúcia

 

 










 

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

O que ainda mais quero


 














O que eu quero é muito pouco...
Ainda não sei ao certo
se busco o que está por perto
ou me lanço onde não alcanço,
se me volto para dentro
atrás de qualquer emoção
ou me espatifo no chão.
Meu coração anseia
palavras ocultas na imensidão,
mesmo “meio que” bombardeado
pulsa ao poema abandonado
e arrisca acender a sua luz.
Sigo seu passo desconcertado,
capto palavras alienadas,
corrompidas, que não dizem nada,
tento escrever em versos
parcos, mancos, brancos,
um poema que não tenha pena
de uma alma triste,
de um coração que insiste
em bater mais do que sente.

Carmen Lúcia

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Sem fim


 















 

Queria que voltasse com a manhã

e fosse tão real quanto a irrealidade

dessa mentira de não tê-lo aqui

onde tudo revela que você está.

 

Queria que não fosse embora,

pudéssemos mudar nossa história

e entre erros e acertos

cometêssemos os dois

deixando o resto para depois.

 

Vejo manhãs sem promessas,

fechadas, enroscadas nas janelas,

afetando a intensidade da luz

e a verdade fazendo a sua parte.

 

Resta me perder no horizonte...

roubar cores, desenhar voltas

e me colocar entre elas

sem mágoas e revoltas.

Não deixar o sol morrer...

Imaginá-lo só nascente

aquecendo seu lugar em mim

 

-e que nunca tivesse fim.-

 

 

Carmen Lúcia


segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Pandemia


 














Hoje o texto é mais profundo.
Abrange os quatro cantos do mundo.
Perde a suavidade do antes,
a leveza das palavras amenas,
envoltas de amanhã...
Subscreve o depois entre parênteses,
sem ênfase, conteúdo cambaleante,
sem rumo, sem prumo, prestes a desabar.
Repleto de incoerências pesa nas negligências
num contexto que não convence mais.
Dispensa atenuantes, foca-se em fatos
já constatados, marcados, marcantes.
Retranca alegrias,
os planos prolongados.
Perambula reticências...
Dúvidas vestem presenças constantes,
acentuam marcas de expressão
e a impressão de não ter fim...
Lacunas são lacradas de indecisões.
Mas as entrelinhas, doces entrelinhas...
pedem para não acreditar...
Consolam. Tudo vai passar.
Vírgulas pausam, pedem fôlego.
Há espaço e o texto pode mudar...

Carmen Lúcia