sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Preciso do tempo





Preciso do tempo…
Devagar, a contento,
levando-me a passo lento
por cantos que nunca vi.
Vem  também de encontro ao vento
e num alento, comigo se deixar levar.
Permitir-se atrasar,
extrapolar  limites,
parar os pêndulos, calar as horas,
deixar-me passar…
Tempo bendito, preciso,
ainda que em mar revolto
dar-me a mão pra atravessar,
atracar em qualquer porto,
acenar  ao  que se vai,
e a quem queira, abraçar.
Barco torto, sem pressa de chegar ao fim,
 Em cada cais vivermos  um pouco mais,
sem o temor do calendário,
surdo a regras e sermões,
unindo-se a mim…
Cavalheiro lendário
que ousou seu senhor dissuadir,
espera um pouco mais…
Quero dar vida ao imaginário,
imagens ao que compor,
cobrar o que não vivi,
devolver o que vi demais.

E após vivermos tantas marés
cumpra seu destino, pé ante pé,
sem acelerar as horas…
Deixe que se vão embora,
siga no controle dos dias
conduzindo à revelia
minutos cronometrados
apressados e resolutos.
Faça cada minuto
durar cada vez mais.


(Carmen Lúcia)


quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Chuva fina






Chove…
A esperança renasce
em gotas cristalinas
vindas de um céu  despojado
criado pra sempre prover
livrando o não lavrado,
cânticos do bem querer.

Chove…
No deserto de mim
e o frescor da chuva fina
ameniza o limiar do fim,
orvalha o seco da vida,
alaga a dor reprimida,
 estio plantado sem jardim.

Chove…
 O bem que vem do alto
refresca o calor do asfalto,
desfaz o nó bem atado,
apaga o maldito feito
 proibindo a razão de ser,
mareja o chão que decolo
 voando  com minha ilusão
em busca de inspiração
e regresso  um novo verso.

Chove…
A terra fica em festa,
rolam pedras, abrem-se frestas,
surgem borboletas orvalhadas,
infestadas de cores, jardins e heras,
julgando ter chegado a primavera.


(Carmen Lúcia)


terça-feira, 16 de agosto de 2016

No fio da navalha






Põe à prova a existência,
equilibra-se à vivência,
ginga com a sobrevivência,
ampara-se em  linhas frágeis,
andaimes de fios cortantes,
voos parvos e rasantes,
sem direção, motivação
 ou algo  que lhe  valha
a pena da batalha.

Expõe a verve que vibra
ainda que o sonho agonize
e a vida num revide
protagonize o que será…
 Derrocadas vestem branco
pedem a  paz que tardará,
incutindo o tempo inteiro
o destino que se lhe impõem
 prepotentes atitudes
tarjando falsas virtudes,
ilusórios aparatos,
cidadãos de fino trato,
embusteiros (des)mascarados
ante a fé que cambaleia
em nocaute à ilusão
no combate inusitado:
Reação versus Coação.


E no fio da navalha
se equilibra o cidadão,
vítima do inafiançável
poder de (in) decisão
a espera que um dia
prepondere a perplexão
e todo o poder se (re) volte
à real situação.

(Carmen Lúcia)








sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Meu pai


Quero você comigo
de novo, meu abrigo,
a me apontar caminhos
que perco a toda hora
sem chegar nem ir embora…
Quero você comigo
a refletir, amigo,
o que fazer agora
no decorrer das horas
do tempo que ainda resta
sem ter você aqui…
Quero você comigo…
Deitar minha cabeça
em seu ombro amigo…
Falar de minha vida,
dos sonhos que ainda restam
e  um dia comigo sonhou…
Pedir nova guarida,
pensar que o tempo não passou…
Quero sua presença
repleta de querência,
 presa na lembrança,
trancada em minha memória,
renascida em suas histórias
a me livrar dos medos,
a me pegar no colo
até cessar meu choro
como fazia outrora.
Quero você comigo
para lhe dar um presente
desses que a alma consente 
e o coração persuade
no ensejo de ser verdade…
Porém, “o que tenho pra hoje
é Saudade.”


(Carmen Lúcia)

Chegada





Chegaste…
num dia qualquer
de uma certa estação…
Sem aviso, sequer,
nenhuma empolgação,
como quem chega sem querer,
dissimulando o querer ficar…
Como um bem maior, um privilégio,
presença indispensável, sortilégio,
burlando o fuso horário,
mudando o calendário,
o itinerário, a hora , o fadário,
senhor absoluto do tempo.

Chegaste…
Surpreendendo a manhã
ao entregar o cetro para a tarde,
 revelando sombras em vertical
de pessoas vagando sob o sol,
rito costumeiro e pontual
anunciando o meio-dia,
do dia em que escolheste pra chegar.
Entremeio de manhã e tarde,
 das entrelinhas para o baluarte,
da surdina ao gesto de alarde,
na expectativa  de espreitar  a beleza,
roubar tons em gradação,
cores em formação
no momento exato do impacto
causado pelo sol tingindo o céu
e logo se perder  no horizonte.

Foste…
Junto com as cores do arrebol
morrer também atrás dos montes,
renascer, talvez, um novo sol
a irromper no amanhã,
com a manhã de cada dia.

(Carmen Lúcia)





quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Em busca de palavras, na rota do sol



Sigo a rota do sol
quando o vejo bem longe
Irradiando sua luz já branda,
expondo um entardecer tranquilo
de cores tênues, pálidas,
antes do anoitecer...
Vou em busca de palavras
no lusco-fusco, esparramadas,
abandonadas ao ocaso...
E minha alma se inunda
nessa cascata que magia infunda,
aura abençoada, tobogã dos sonhos,
ondulações de cores
suaves como o outono
de folhas caídas,
tapete verde-musgo
mesclado de amarelo-ouro...
Trilha para a fantasia...
Crepúsculo que finaliza o dia
e que sacia a alma ávida do poeta,
transvestindo rotas em magias
ao nascer da mais etérea poesia.


_Carmen Lúcia_

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Fama




Subiu os degraus da fama,
deu de si o que podia...
o que pensou ser seu melhor,
atropelou o bem que havia
bem ao seu redor...
deixou à revelia
valores que engrandeciam.

Sem ponderação, ultrapassou limites.
Sentir-se lá no alto, observar de cima,
ser cortejada, inflar a autoestima
era mais que um desejo.
Uma obstinação!

Foi manchete de jornais,
notícia de colunista,
capa de revista,
da mídia, a sensação.
Chegou ao topo
das camadas sociais.
Tornou-se a maior atração.

Esqueceu-se da essência,
quis viver de aparência,
mas tudo que é supérfluo
tende a se deteriorar,
dá vazão à turbulência
e todo glamour se esvai.
Começou a despencar
sem ter onde se amparar.

Percebeu que o sol se esconde,
perde-se no horizonte
e toda luz se apaga
quando a alma não tem chama...
E desalmada reclama
os valores imateriais
que lhe foram banidos,
tirando o colorido
de sua forma existencial.

Hoje, da fama à lama,
do cimo ao chão...
Esquecida, ensandecida,
ainda vive de ilusão…
pensa ser uma estrela,
a mais brilhante
de qualquer constelação.


(Carmen Lúcia)

Vejo flores







Vejo flores se abrindo
em meio a  jardins e canteiros,
sinto-me flor o dia inteiro,
 beija-me o beija-flor,
doce carinho passageiro.
Flagro girassóis nascendo,
revirando-se à  luz do sol,
 abastecendo-se…
Giro os rodopios das rodas,
de arrebol a arrebol,
enquanto durem as voltas,
anoitecendo-me…

Piso campo florindo
 abrindo-se ao simples toque
e a olhos vistos resplandecidos 
sem toques de recolher…
As cores de todas as cores 
se pintam em mim
colorem minh’alma
de puro jasmim…
Corro mundos inteiros,
busco o futuro por vir
e o porvir vem chegando…
Ficará até quando?

Roubo o feitiço da lua,
cirando a rota lunar,
viro estrela na rua,
cuido  pra sempre brilhar.
Cruzo linhas paralelas,
viajo outro patamar,
 parto para o  infinito,
desconheço o finito de mim.
Creio que nada se acaba,
muda-se,  não há fim…
Sou aquilo  que penso,
muito além do que imagino.
Não há universo que não se alcance,
ainda que a estrutura balance
e o equilíbrio tenda a desequilibrar…

O pensamento segue o comando
da mente livre para o guiar…
Livre para voar…e virar…
Vira flor, vira cor, vira alegria,
permeia os versos, vira poesia,
vira pássaro, alça voo,
vira lenda ou magia,
vira vida, pula a morte,
vira o que não mais importe,
vira o que queira virar.
Depende da sorte.
(ou do azar)


(Carmen Lúcia)