sexta-feira, 13 de maio de 2016

Buscas






Busquei na transparência da manhã
motivos pra desencadear o riso
ante a melancolia exposta em cada rosto,
a reviravolta de um ideal deposto,
como se fora um grito de agonia,
um pedido de socorro, uma premonição,
um aviso…

Busquei no matiz das cores
flores para enfeitar o dia,
mas o encanto se murchou
junto à flor mais recolhida,
perfume a desimpregnar rancor
diante do desencanto da aflição,
olhares perdidos na mesma direção…

Busquei levar consolação,
porém o desconsolo fez-se solução
e  meu alento para mim voltou
feito flecha a penetrar o coração
sangrando a liturgia da doce ilusão…
Ideologia não se muda da noite pro dia,
nem se vende feito peça de leilão.
Eis a questão.

Busquei falar através de versos,
da poesia que canta o perdão
e acalanta os reversos
 restaurando  a união,
mas o coração machucado
jamais ouve qualquer canção…

Recorro ao tempo…
Nele busco  compreensão,
o amor que se desfez ao vento,
a paz que reina na exclusão,
que retornarão numa manhã
banhada de luz e recomeços,
no silêncio da oração.

(Carmen Lúcia)








quarta-feira, 4 de maio de 2016

Entre rimas e versos (para minha mãe)




Escrevo…
Mas as palavras não alcançam,
não conseguem aliviar o que sinto…
circulam ao meu redor e dançam
num ritual solidário e mudo,
silêncio a povoar o recinto.


Escrevo…
Sobre a saudade tamanha
que cala, fala, rasga, se instala…
 me acompanha e faz chorar
na esperança vã de que vai passar,
e o tempo para pra se desculpar.

Escrevo…
E a ressuscito em rimas
guardadas no baú do tempo
que me servem de alento
compondo versos onde a vejo sorrir,
a vejo cantar, a vejo vir e nunca partir.

Escrevo…
E as palavras vêm naturalmente,
descrevem o que realmente se sente
quando a saudade é maior que a gente
e o desejo de um abraço é voraz…

Escrevo…
Tento iludir-me que me está lendo,
mas o papel é molhado pelo pranto,
o sentimento se encrua cá dentro,
os versos voam um voo lento
e as rimas se arrimam pelos cantos.

(Carmen Lúcia)


segunda-feira, 2 de maio de 2016

Andarilhos




    

Ainda que a esperança finde
e o descrente mude seu rumo,
pendure os sonhos em linhas tênues
das calçadas escuras sem quinas,
 esquinas tortas, esburacadas,
armadilha sutil que arrebata
traga o que ainda presta,
leva o que ainda resta
nessa infinda caminhada
e mate o desejo de ser,
do ser, de viver, do renascer…

Ainda que o vento frio sopre
e sufoque  sentimento que toque,
apague a chama que aquece, clama,
congele almas, plante pedras,
sangre pés, amordace vozes,
aperte nós, distancie-nos de nós,
peregrinos sem histórias em busca de nada,
vidas sem vidas, seres inexistentes
pisam asfaltos ilusórios, transitórios,
fundem o fosco do trilho com o olhar sem brilho
isentos do mundo,  indigentes sem prumo
desistentes de sonhar…

Ainda assim prosseguirei com minha fé
agarrada à certeza profícua de que vai dar pé,
mesmo que a incerteza tente me derrubar
sonharei tantos sonhos quantos queira sonhar
até que o fosco dos olhos volte a brilhar
e o mundo mude, devagar,
devolvendo vida à vida,
semeando sonhos em todo lugar.


(Carmen Lúcia)



domingo, 1 de maio de 2016

Quintal dos sonhos...




Não era bem um quintal…
Era um mundo acolhendo sonhos,
ensinando a voar, sem planos,
planando universos de portos risonhos
a espera de quem neles viesse ancorar
segredos e mistérios, fantasias angelicais,
sopro de brisa leve, ainda que breve
se espalhando, florescendo, acrescendo.
Era um espaço sacrossanto.
Ali virava arte o dia a dia,
ouvia-se acordes de sinfonia
retirados do pranto ou da alegria
dando vida à bailarina
a saltar e girar em harmonia
corpo e alma em sintonia.
Palavras encaixavam-se em versos
onde a rima naturalmente
se posicionava no final da linha.
Era um palco. Tudo via e aplaudia…
Calava e ria. Assistia e ouvia.
Era ribalta e coxia, cenário e fantasia,
bastidores zelando confissões,.
cortina aberta para as emoções,
encenações a trepidar o chão.
Uma cidade imaginária
onde a lua não dormia
prateando o surreal…
Um quintal guardando histórias
perpetuadas na memória,
pequeno espaço imensurável,
portal de fantásticas transições…
(Carmen Lúcia)