domingo, 26 de novembro de 2017

Papai Noel
















Papai Noel,
olha para os retirantes…
Refugiados.Itinerantes.
O que fizeram de errado?
Por que serem crucificados?
Entre outros, inocentes crianças
esperando você e a esperança…
Nem brinquedos! Só viver
num lugar de poder brincar,
sem morrer, nem naufragar…
Mostra-lhes o caminho
se é que pode interferir no destino,
já que é o mais esperado da festa
onde os excluídos pagam pelo pecado
 da sociedade que não sabe o que é Natal.
E Jesus é posto de lado.
Abra-lhes o oceano.
Resgata-lhes os planos.
Apruma-lhes o barco.
Guarda suas renas na incoerência
dessa vida sem sentido,
de Jesus denegrido.
Aparente, apenas.
Segura a mão de quem está esquecido,
engolido pelo leão das arenas…
Dá-lhes ouvido.
Atende às suas cartas que mais do que pedidos,
são gritos de socorro!
Seja as luzinhas brilhando a direção.
A estrela-guia da peregrinação.
Serre as grades de todo portão.
Liberta, um a um, cada irmão.

E segue a trilha do bom Papai Noel,
cumprindo bem o seu papel.

Carmen Lúcia



quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Caravana




















Abranda os passos.
O mundo é um círculo.
Leva sempre ao mesmo lugar.
Não há canto, não há reta,
direção perpendicular.
Alinhe o andar sem intenção de chegar.
Horizonte-se na linha que virá,
 ainda que o tempo se alongue
e as estações tendam a mudar.
Não perca o compasso.
Há primavera em todo lugar.
Siga a caravana no espaço
dos que sonham seus ideais.
E aportam no mesmo cais.
Veja as velas içadas no mar
navegando mistérios abissais,
na calmaria de um sopro de vento
de uma viagem que só leva,
não traz.
Caminha feito as aves
em migração perfeita
caravana rara e feita
de almas que voam
pelas estradas do céu.
Junte-se à comitiva errante.
Se errar, siga adiante.
Há tempo pra recomeçar.

Vigia os pensamentos.
Cuida dos sentimentos.
Conquista o território sagrado…
No comboio da emoção
deposita o coração.
E deixa a vida passar.


Carmen Lúcia




domingo, 19 de novembro de 2017

Vida louca


























Vida, oh vida!
Pra que me convidas?
Um dia és chuva
N’outro és sol
Às vezes diluvas
N’outras, arrebol...
Nem sempre equilibras
Me tiras o chão
Nem sempre és viga
De edificação.
És tão inconstante...
Se não te garantes
Me deixes aqui.
Sigas cambaleante
Buscando...O quê?
Quem sabe procuras
O que te preenches
A parte restante
Do ser...Ou não ser.
Voltes quando puderes
Teu vazio, exime.
Não te subestimes...

Vida, oh vida!
Busque o que te alucina
Segue tua sina
Não vivas esperando.
Espera vivendo.


Carmen Lúcia

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Jardim secreto





















Meu jardim vai de rosa a jasmim,
 tons, semitons de grená a carmim,
substrato plantado em segredo
à espera do enredo escondido no tempo.
Nutre palavras colhidas do encanto,
tocadas ao vento, caídas cá dentro
brotando o que sabem de mim.

Meu jardim é de borboletas
a festejar o que virá...
ora vermelhas, ora grenás,
ora tão pretas, Vinícius de Morais.
Xeretas, a bisbilhotar
 colibris do lado de lá.

Meu jardim é parte de mim.
Retorno do carinho sem fim...
Da pétala macia que vem afagar
e beija o chão, e rodopia o ar.
Cheiro de alfazema em noite de lua,
rastro de estrelas perdidas na rua.

Meu jardim é qualquer estação.
Obra de artista, vaivém de emoção.
Meu jardim é o amor que assim faz,
além da janela, o sonho que traz
dentro do peito, silêncio e paz.

Carmen Lúcia


quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Mea culpa



















Faço o “mea culpa".
Qual a pena que a indignação indulta?
Ficar indignado, braços cruzados,
mãos atadas, olhos fechados?
Deixar acontecer e dizer-se pasmo?
Abrir as portas pra desejos torpes,
sentimentos precários,ordinários
se a reflexão sincera e leve
filtra qualquer arbitrariedade,
promiscuidade, falsa moralidade
ao lembrar os valores almejados
que agora pendem a balança
para o lado errado?
Quantas vezes pude intervir,
e à zona de conforto me prendi?
Fingi não ser comigo
e boa parte me cabia.
A mim, a você, a nós...
Deixei calar minha voz.
Contribuí com uma realidade falsa,
cônscia do que poderia acontecer.
Dei um grão de areia...
Assim como você
e o mínimo formou um deserto.
Do oceano, vi gotas se evaporando...
“e o mar virou sertão”...
Virei as costas sem calejar a mão.
A história está traçada.
Sem mocinhos, sem heróis, com vilões.
E eu, com minha indignação,
sou plateia, sou palhaça.
De um circo de lobos, alcateia,
aguardando o herói vencedor
 dar o grito libertador,
onde o silêncio brada mais alto.


Carmen Lúcia




domingo, 5 de novembro de 2017

O canto da cigarra





























Em jardins transplantados
por doações duvidosas
transitam travestidas rosas,
resquícios de olores ofegantes
oriundos de flores mutantes,
engodos constantes
a planear reles beleza arredia
que não se deve apalpar,
oculta do sol,
da luz que vacila,
de borboletas vadias,
ávidas para sugar,
de colibris atrevidos
vestidos para beijar,
caminho entre canteiros
destilando o que sinto
-meu eu verdadeiro-
em simbiose com o absinto
na fase amarga, intransigente.
Destilo overdose
numa eclosão do excesso,
drogas que não ingeri  
e a toda hora vejo
tendo que engolir,
estática, sem reação,
impotente a qualquer ação...
Derrotada, cruzo os braços.

Verão, ensurdecedor, o cicio da cigarra
sobrepondo-se a outros sons,
calando-os.
Impondo seu canto forte.
Anunciando a própria morte.


Carmen Lúcia