quarta-feira, 29 de abril de 2015

Para ser feliz




Coloca a alma na janela
e  a luz que adentra por ela
descongela  o frio que ficou.
Quebra seu silêncio, solta sua fala.
Há tanto a dizer;  tudo o que calou.
Liberta o que resvala,
 verdade que abala,
motivo a que se rende.
Nada é para sempre.
O bem também acaba.
Não deixe que se vá
trilhar o mesmo trilho.

Agarra-se ao que edifica,
faz feliz e  dignifica.
Escolhe outras cores,
viva outros amores,
muda as fragrâncias, as flores.
Dá novo sentido à vida.
Sai da zona de conforto,
desfaz os entrelaces do que está morto.

Mergulha nas emoções, ousa os turbilhões,
ancora em outro porto.
Abraça as chegadas, acena às partidas.
Busca o que precisa.
Sorri, vive, persegue o que creu
para que não se arrependa
de tudo que um dia podia
e perdeu.



_Carmen Lúcia_



domingo, 26 de abril de 2015

Entre sombras e clarões





Amanheço antes do amanhecer.
 Surpreendo a manhã desfalecida,
arrebato o sol ainda dormente,
trago-os para dentro de mim.
Crio meu próprio dia, enfim.

O clarão a me percorrer
anuncia meu alvorecer,
distancia-me da noite que morre.
E me socorre.
Leva a escuridão que apavora
 sem hora, sem tempo, sem lua.

Leva o medo, senhor do escuro,
fantasma a perambular pela rua
quebrando sonhos, planeando agruras,
roubando o que poderia ter sido,
o que haveria de bonito,
o meu querer que é pouco,
meu canto, agora rouco.

Oculto entre as sombras
age se a vítima se assombra,
vilão das histórias interrompidas,
distorcidas, mal vividas,
 vacilante ante o clarão.

Em mim o dia amanhece,
o sol acende minh’alma,
a alegria irriga meu dia,
o medo não mais nasceu.
A paz agora me acalma.
A escuridão morreu.


_Carmen Lúcia_





O trem





Não quero saber das partidas,
Das idas sem vindas
Que vão e não vêm.
Causando transtornos e danos,
Levando os sonhos nas rodas de um trem.
Eu quero é ouvir seu apito,
Acenar com agito em cada estação.
Sorrir ao sentir a chegada
Daqueles que foram buscando emoção.
Quem dera poder ir embora,
Partindo com ele nos trilhos do além...
E ver nas janelas, lá fora,
O tempo ficando distante de mim.
Já ouço o trem apitando
Na linha da vida, sem rumo,enfim...
Será que está indo ou chegando,
Trazendo ou levando, o começo ou o fim?

_Carmen Lúcia_


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Corpo, paradoxo da alma





Sou mundo de paradoxos,
espírito  adverso ao corpo
alma que voa à toa
pés  que não a conduzem
não condizem ao que ela quer
ou quis, pra ser feliz.
Ideia, físico, breu,luz,
debatem-se em confronto.
Estrondo.

A mente persuade
o desejo invade
e sem resistência
vence a vontade
ante a fragilidade
física de meu ser…

A alma vai,
talvez por displicência
ou carência…
(afeto nunca é demais.)
O corpo fica e sem destreza
não vê o que ficou,
o que virá, o que restou…
Se perde em ausências,
caminha para trás,
tateia a paz.

Sem conciliação
caminham as contradições
em opostas direções…
Alguém tem que ceder
corpo ou pensamento
“dar o braço a torcer…”

O mínimo de boa vontade
de qualquer uma das partes
acaba com a disparidade
de toda luta travada
ao entender
que o direito de um começa
quando o do outro acaba
mesmo quando se trata
de um único ser.


Carmen Lúcia



quarta-feira, 22 de abril de 2015

Medidas




O sempre é finito para se sonhar,
espaço ínfimo pra poder voar,
o longe é perto para se alcançar
razões que queiram me levar pra lá.

O tempo é escasso para se perder
e reencontrar o que se quer achar.
As horas não vão avisar
se vou sorrir, se vou chorar.

O muito é pouco para eu sentir
o quanto  ainda deve estar por vir,
o tanto não sabe medir
a dimensão do amor que cabe em mim.

Cada emoção revela, por  tabela,
se está ou não se aproximando o fim.
Só um tempinho mais pra se escrever
em tempo recorde, cores do entardecer.

É ano-luz que em segundos conduz
 o sol que se prepara pra morrer
sem intervalo pra se recolher
palavras que possam descrever
a multidão de matizes que a voz embarga,
 o tempo que passa depressa
sem perceber meu olhar que divaga
e tanta beleza atravessa.

(Carmen Lúcia)

A beleza está na simplicidade




A beleza e a simplicidade são companheiras.
Existe nelas cumplicidade verdadeira.
É só observar os jardins
onde tudo acontece normalmente.

Vidas que se ocupam em ser só o que são,
sem conflitos, sem atritos, angústias, desunião.
Sejam bromélias, rosas, hortênsias, jasmins...
Cumprem seus destinos, sem desatinos.

Florescem ao seu tempo
e ao perderem o viço
vão-se embora
se é chegada a hora.

Não precisa luxo,
luz de esplendor,
ostentação, glamour...
Somente a necessidade
de cada instante.

Extraem da chuva o essencial,
do sol, a luz e calor.
Recebem o vento.
E morrem ao seu tempo.
Sem estardalhaço, suavemente, simplesmente.

O muito querer é complicado.
É pesado, alienado, aprisionado.
Mala difícil de se carregar.
O simples é leve, delicado,
fácil de se levar a bagagem
e, durante a viagem,
aprecia a paisagem.


_Carmen Lúcia_




terça-feira, 21 de abril de 2015

Striptease Moral





Não importa que o mundo se choque
e as pessoas evoquem
o santo protetor...
Benzam-se pasmas e indignadas,
invoquem os falsos valores
de uma ética desqualificada.

Não importa que de mim se afastem,
as luzes se apaguem,
 o palco venha a ruir.
Da ribalta quero fugir.
Resgatar minha identidade,
viver a autenticidade,
ser essência e verdade.

 Se alguém se sentir ofendido,
não sabe quem sou, não sabe o que sinto,
moldada no que querem que eu seja,
atada pra que não ande nem veja...
“Tô nem aí pro que der e vier...”
Dane-se quem quiser!

Tiro as roupas que me sufocam
vincadas de normas, preceitos morais.
Faço striptease dos rótulos
“ mulher perfeita, efêmera, passiva, reta...”
estereótipo da pessoa correta.
Quero agora escandalizar.
Arranco as sandálias e avanço,
não me canso.
Pés descalços, alma nua,
a caminhar
em território profano,
sagrado,
insano...
Me deliberar!


Carmen Lúcia

domingo, 19 de abril de 2015

Quero



 Quero...
Ser o elo entre o mundo e a paz,
a vida simples de quem é capaz
de unir humildade e grandeza,
sabedoria e beleza
com a mansidão de um  barco 
aportando o cais...
 
Quero...
Ser rio que chega ao mar
vencendo as batalhas de seu fluxo
ao tornear pedras , colidir em rochas, 
modelar-se à opressão das margens,
nortear as águas durante seu percurso,
único recurso para estancar a sede.
 
Quero...
ser o filme dos instantes felizes,
 o ancoradouro das melhores lembranças,
a saudade que faz companhia
quando a ausência marca triste mudança  
e a vida mostra o outro lado da face,
um lado sombrio, que  se desconhecia.
 
Quero... 
ser a frágil bailarina,
 girar o corpo ao redor da rima,
de seu interior ouvir a melodia
inspirada na arte que  combina
 passos , compassos, coreografia ,
todo espaço irreal, sua geografia  
sendo transformada em poesia.
 
 
Quero...
ser a tarde e sua nostalgia,
cores indecifráveis a findar o dia
num céu que rouba toda a magia
na  transição de fim e recomeço,
reverenciando a noite, o luar, 
as constelações do espaço estelar
preparando mais uma manhã.
 
_Carmen Lúcia_
 
 

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Flor



Nascera Flor...
Flor-de-maio, Flor-da-noite, Maria Flor...
Em meio aos encantos de oferendas matinais,
Batizada com fragrâncias de essências florais,
Banhada em gotículas orvalhadas de cristal,
Predestinada a realçar o bem e extirpar o mal.
Crescera Flor...
Livre, entre flores tantas de verdejantes prados,
Fora desde a rósea tulipa à camélia descorada...
Seduzida por suspiros de fogosos jasmins...De jardins!
Abandonada!
Perdeu-se pelo campo sangrando o seu pranto.
Conhecera a dor! O primeiro amor...
Vivera Flor!
Rosa se tornara! Vermelha! Rubra estrela!
Brilhante e bela! Insinuante donzela!
Amara mais que a vez primeira! Estremecera!
Rosa rainha, no cais aportou...Desabrochou!
E com soberania, mudou seu destino. Desatino!
Quis aquecer o inverno, o frio da estação.
Florear noitadas, enlouquecer paixão!
Como dama-da-noite, na noite se fartou.
Na dança se encontrou, o tango coroou.
Pelos caminhos se despiu...Despetalou!
Morrera Flor...
Hoje, suas pétalas derramadas inundam.
Seus espinhos cravados causam dor.
Seu néctar desejado, não mais libera.
O perfume desimpregnou a Flor.
Quem sabe ainda renasça n’outra Primavera...
Plena de amor!

      
(Carmen Lúcia)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Reencontro



Ainda ouço teus passos se distanciando,
perdendo-se na esquina que te engolia,
tragando-te afoita,  droga  à revelia,
mutilando uma história que ainda aconteceria.

Sibilam em meus ouvidos as badaladas de um sino
marcando as horas, trilha sonora que estribilha
rasgando-me a carne, mostrando meus avessos,
tendo a lua a compactuar com meus tropeços.

Ainda ouço o estardalhaço dos soluços
que meus lábios apertados tentaram segurar
e num sôfrego vazaram, desabados,
num choro compulsivo, sem parar.

Foste...simplesmente foste,
( como sempre foste),
sem medires a proporção do estrago,
a dimensão de inconsequente ato,
carregando sobretudo, tudo...

Talvez me reencontre sem teu disfarce
e me resgate  algum ancoradouro.
Corpo e alma num inusitado encontro, voraz...
E o silêncio do luar oculto entre a névoa de um cais.

_Carmen Lúcia_


quinta-feira, 9 de abril de 2015

Poesia, um caso de amor...



Danço a poesia feito bailarina no esplendor da arte,
exponho em poesia fragilidades e limitações,
silencio em poesia o meu grito sem fazer alarde,
brado a poesia com orgulho e ostentação,
confesso em poesia minhas fraquezas e imperfeições,
bebo a poesia com as palmas de minhas mãos,
respiro a poesia como o perfume das manhãs,
rego a poesia com o orvalho da madrugada,
rezo a poesia na hora da Ave-Maria,
torno a poesia a alegria da chegada,
canto a poesia dando ênfase à melodia,
toco a poesia com o lirismo de uma sonata,
vivo a poesia, essência de minh’alma,
choro a poesia movida pela emoção,
expando em poesia mágoas que viram rimas,
sonho em poesia todo encanto da magia,
cultivo a poesia e colho rosas em botão,
caminho com a poesia e afasto a solidão,
voo com a poesia e me transporto à fascinação,
gero a poesia e é ela quem me dá à luz,
sinto a poesia e me arrepia a inspiração,
navego em poesia ancorando em corações,
penso a poesia e dou margens à imaginação,
amo a poesia e não tem explicação...


_Carmen Lúcia_

Entre céu e mar


(imagem:Ibarra Dubon)

Entre montanhas, o oceano.
Do topo, a vontade de voar
em direção à vastidão.
 Águas azuis. Tentação.
Beleza, consonância, sedução.
As velas, os barcos, a paz, o branco.
O navegar em ondas brandas.
O fascínio do partir sem chegar.
 Vontade insana de se deixar levar.

Ser barco, marear, ancorar os cais.
Despojar finais, os jamais, os ais,
a bagagem pesada, o ombro lesado,
o ser dolente, o espírito domado.
Tornar-se leve, ultra- leve…
Flutuar as ondas do mar.

De repente, ser gaivota.
Alçar voo irreprimido
na busca intermitente
do que  sacie a fome,
do que  mate a sede,
do que acalente a alma,
 a alimente.



Entre céu e mar, o horizonte.
Perspectiva de mudar,
futuro que surge risonho,
presente pra se guardar,
paragem pro barco pousar.


_Carmen Lúcia_





segunda-feira, 6 de abril de 2015

Sonhar alto





Sonhe o sonho mais lindo
Aquele guardado em sua essência-sacrário.
Sonhar faz parte do livre-arbítrio.
Direito sagrado.

Dá-lhe alma pra sentir e asas pra voar.
Olha-o bem lá no alto, daqui de baixo.
Semeia-o com o amor de seu olhar.
Faça-o brotar, se concretizar, se multiplicar,
entrelaçar os amigos, os contagiar.

Renove-o em pétalas aliviando caminhadas,
sopra-lhe a fuligem , o pó da estrada…
Banha-o nas águas puras dos riachos
para que não perca o brilho e embace.

Deixa-o perambular os prados,
ressurgir numa flor ou num pássaro.
 Enquanto durar todo o encanto
e o sonho perdurar por um triz,
viva-o intensamente…
Seja feliz!


_Carmen Lúcia_





sábado, 4 de abril de 2015

Via Crucis



E então decidi...
Despojar-me de todos pecados,
ser meu próprio Pôncio Pilatos,
ter meu corpo crucificado...
Não pra salvar a Humanidade,
não me crivaria de tamanha dor,
Cristo foi mais sonhador...
Não, foi mesmo autopiedade,
da alma, em busca de serenidade.
Caminhei com a cruz...A que me impus!
Não caí somente três vezes.Foram muitas!
Já havia tombado tanto
pelo peso de meu pranto,
por minha consciência pesada,
não ouvir a voz da razão,
nem mesmo a do coração,
E agora, Via Crucis, levo-me à condenação.
Fui Verônica.Cantei o meu desencanto,
limpei sangue de meu âmago,
deixei registrado no pano
o meu triste desengano...
A Madalena arrependida,
pelo homem incompreendida.
Agora cheia de dores e acatos...
Vítima dos desacatos.
Tentei levantar-me, ser o meu Cirineu,
reacender a chama que um dia morreu.
Momento sublime...Maria, mãe que redime,
Um encontro...Um olhar...
Nem foi preciso falar...
A única expressão...a de nosso coração!
Sedenta de amor, bebi o seu mel...
Desnudei minha alma, arranquei-lhe o véu!
E chorei...Implorei...Me ajoelhei...
Finalmente, enxerguei uma luz
semiapagada, de um sol eclipsado
recomeçando a acender...

_Carmen Lúcia_

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Manhã





Amanhece.
Entrego-me aos braços da manhã
confiante na luz a me banhar clarão.
Aninho-me em seu colo.Decolo.
Alma desprendida alcança o céu
e o traz para dentro de mim,
e o faz fazer parte de mim,
liturgia ungida de sacramentos.
Portas abertas, meu corpo é templo
a contemplar a letargia do momento
sacro, na fé que em meu corpo guardo,
ainda que todas as mazelas do tempo
destoem a oração do dia, a homilia,
surdas aos cânticos melodiosos da manhã,
à brisa que sopra a ternura do amor,
manto divino onde abrigo meu interior.

Regressa.
Com suavidade, sem pressa.
Sua luz não escurece.
Perpetua-se em cada coração.
Resplandece em cada oração,
na esperança que o dia oferece.
Manhã que nasce feito prece.



(Carmen Lúcia)