domingo, 26 de julho de 2015

Sobre palcos e bastidores





Faço-me sombra e percorro bastidores…
Ouço risos calados, vejo desnudarem-se dores,
o cansaço vir à tona e a verdadeira alma
em frangalhos, mostrar-se
 onde a plateia não alcança.

O som alucinante dos aplausos
ensurdece a alegria que no palco se disfarça
e mesmo tendo portas e cortinas cerradas
perpassa o regaço do artista…
…e o desaba.

Faço-me luz e percorro onde ela não chega,
me prostro diante da essência adormecida
e a aparência guarnecida vive mais um ato,
mais um capítulo de um ciclo, encerrado.

No palco, com relevância, brilha a arte.
Dança,borda, canta, pinta, transborda…
Abre o portal das emoções e invade,
faz-se forte, alicerce que comporte
e atire o artista a sua sorte.


_Carmen Lúcia_


quinta-feira, 23 de julho de 2015

Migração




















Observo as aves migrarem…
Não combinam caminhos.
 Deixam seus ninhos
seguindo o mesmo destino
sem se dispersarem…
Perseguem o mesmo sonho?
Sabem a hora certa de partir,
mudar, viajar, buscar.
Procuram novos rumos
sem desistir nem se aventurar,
já que confiam num porto seguro.

Um voo harmonioso as leva
em leve e total abandono
à meta de um fadário risonho,
aos braços de um futuro qualquer,
de um tempo não fracionado,
espaço que bem lhes aprouver,
viagem atemporal pelo céu.

Em nuvens brancas bordam a paz,
 deixam no ar a plenitude da calma
e a mais inusitada lição de vida
a se expandir com o vento
sem nenhum confronto
 doce encontro em perfeita calmaria,
a simplicidade de saber viver
em sintonia e gorjeios
num festival de alegria.

Pontinhos minúsculos pintam o céu.
Os alaridos dão sinal de fim de festa
ao se abrandarem na curva final.
Distanciam-se… obstinada decisão
de buscar outro clima, provisão,
construir novos ninhos, procriação,
sem temer  que se escasseiem os celeiros,
sem medo de ladrões aventureiros…

Um dia voltarão…ou não!
Outras aves migrarão por esse céu.
Se o homem não manchar o painel.






_Carmen Lúcia_






domingo, 19 de julho de 2015

Alegria triste






A alegria voltou.
Andara tão distante…
Nem sei por onde trilhou
sua presença exultante.
Partiu sem deixar aviso,
quis conhecer outros risos,
eternizar sua existência,
contagiar sua intensidade
entre os que vivem de aparência.
Alcançar, quem sabe, o paraíso
e onipotente, ser exclusividade
dos que são alegres, somente.

Meio tímida se aproximou…
Sorriso trêmulo, embargado,
um tanto envergonhado,
frágil em seu torpor…
Não era a mesma alegria,
trazia vestígios de dor.
O mundo sonhado não havia vingado.
Em contraste com seu júbilo
plantou-lhe desilusão
e seu riso escancarado
de pura alegria, gerado,
sem conseguir seu intento,
 chorou.



_Carmen Lúcia_






segunda-feira, 6 de julho de 2015

Tudo muda...





Um dia tudo muda…
A trama, o quadro, o enredo, o ator.
A vida contracena com a dor,
ainda que o intérprete seja o Amor.
Quem diz ser feliz se ludibria,
 contradiz a fatalidade, se silencia…
Felicidade é bem passageiro,
vem, rodopia, invade e  se vai.
É flor arrancada do canteiro,
 longe de seu meio se esvai.

Um dia tudo muda…
 Bastidores  revelam o lado real.
O fantástico se torna banal,
os valores se desgastam
e os que restam, agarra-se no ar…
A ciranda  perde o encanto
 não canta, não anda, não quer mais girar.

Os sonhos já não têm mais cabimento,
não se encaixam no exato momento
em que é preciso o toque surreal…
Permeiam esquinas, mendigam dó,
tornam-se lacunas de quem vive só,
fantasmas esvaídos  de um sonho mau.


Um dia…(e esse dia chega)
O céu escurece,
o sol não aquece,
o verso entristece,
o universo não quer conspirar…
 palavras ficam escassas,
a poesia se cala,
o poeta se vai…



_Carmen Lúcia_