quarta-feira, 26 de março de 2014

Silêncio




Silencio...
Palavras batem à porta,
exaspera-as a mudez.
Fazem escarcéu,
esbravejam.
Insensatez .

Ignoram meu rito,
pouco lhes importa
a escassez da fala,
o motivo que me abala,
o que não pode ser dito.

O silêncio me leva ao infinito,
as estrelas ouvem o que sinto,
o momento sufoca meu grito
que é de paz nesse mundo irreal.

E as palavras, vício ocidental,
ao ferir não conseguem voltar,
ao mentir podem não revelar
o que meu coração quer dizer.
Desconhecem a arte de silenciar.

_Carmen Lúcia_

terça-feira, 25 de março de 2014

Abrindo janela





Pra que fresta? Pra que tramela?
Decidi escancarar minha janela,
deixar de me esconder por detrás dela
fotografando o mundo pela metade
presa ao ostracismo que me invade
queimando detalhes, belezas escondidas.
Liberar o  elã vital, sentido da vida.

Nada de cortinas, chega de vidraças.
Quero ver o sol inteiro que transpassa
aberto, liberto, total,
a queimar meu corpo, aquecer a alma,
irradiar as flores lá de meu quintal.

Descobrir os cantos, mistificar encantos,
torná-los metáforas da vida,
reativar a esperança frágil , desenxabida,
vê-la renascida sob nova luz.

Basta de raiozinhos, trancas nas janelas,
quero o sol ardente a  derreter correntes,
quero abrir janela e pular por ela,
juntar-me aos sentimentos que joguei lá fora,
catá-los com a mão, impedir que vão embora.

Obstruir os caminhos da dor
e sorrir, cantar, dançar, viver,
deixar ao acaso a restauração  de meu ser.

_Carmen Lúcia_



sábado, 22 de março de 2014

Outono e prima Vera (in memoriam)






Mais um outono...
Mais um ano se foi
em meio aos reveses , mudanças e sonhos
moldados a doces lembranças
de um tempo que jamais morre.
Nem se faz passado...
Está sempre presente ao meu lado
feito gerúndio, eternizado.

Vejo-a no vaivém das folhas
a ensaiar um desfecho teatral
sopradas pelo vento à minha porta,
pousando lentamente à minha frente,
saudando-me e à nova estação...
a mesma que a transformou em saudade.

Embora secas, seu perfume ainda exala
pelos ares, pelas frestas, pela sala
e me leva a recordar momentos
em que o sorriso sufocava as lágrimas,
 o mundo escancarava portas e janelas
convidando a perpassar por elas
e o desbravar.

Outono, a primavera adormece sob seus pés
coberta pelo tapete dourado de folhas mortas,
 lacrada pela beleza do cenário,
protagonista de inesquecível espetáculo,
pelo encantamento da nostalgia e da espera
...de que um dia volte a florir
         a minha prima Vera.



_Carmen Lúcia_





sexta-feira, 21 de março de 2014

Sem lágrimas



Não derramarei uma só lágrima
que possa regar e cultivar a decepção,
umedecer a ingratidão ressequida, dar-lhe vida,
irrigar a secura da dor e reanimá-la.

Não, de meus olhos não verterão lágrimas
a rolar pela aridez de solos que abrigam traição,
onde meu pranto possa umidificá-los
possibilitando o brotar da indignação...

Não, chorar não mais...
preparar o solo para a tristeza,
deitar o tapete vermelho e vê-la passar
desafiante e irreverente à minha fraqueza.

Tudo...menos o debulhar em lágrimas
que afoga a coragem de saber lutar.
Melhor sangrar por dentro e drenar o peito
a embeber tais sentimentos que teimam
em me fazer chorar.

_ Carmen Lúcia _

quinta-feira, 20 de março de 2014

O amor que amo






O amor que amo renasce a cada dia
e cada vez mais forte irrompe com as manhãs,
janelas escancaradas para novos tempos
em festa, onde o livre-arbítrio é anfitrião
e a liberdade pousa livre de mão em mão.

O amor que amo desconhece mágoa,
se doa, perdoa, alma despojada,
sorri a alegria do sorriso franco,
flutua na água tranquila do remanso,
me banha em sua doce indolência
amenizando, da lida, meu cansaço.

O amor que amo é território santo;
compilação da liturgia, do sagrado, da homilia,
onde o profano se abriga em seu manto
 que agasalha  gregos e troianos.

O amor que amo é descanso
e ao mesmo tempo avanço...
Leva-me a alcançar a paz,
resgata-a do longínquo,
a traz para bem perto, 
aqui dentro de mim
 pra não se perder jamais.

O amor que amo me aproxima do distante,
 tanto bem cambaleante
disperso em sua resistência,
alheio a mudanças, relutante.
Soma que faria a diferença.

O amor que amo é assim;
de tudo, mais um pouco...
Amor que amo e não tem fim.

_Carmen Lúcia_


sábado, 15 de março de 2014

Tarde demais?


 

Quando me olhares com olhos de quem vê,

me sentires com alma de quem tem,

me  entenderes como quem usa a razão

em meio ao desequilíbrio da emoção...

 

Quando chorares as lágrimas que chorei

e a dor te marcar mais que a mim marcou,

 marca que borracha alguma apaga

pois penetra, adentra , traz amargor...

 

Quando intuíres o tudo que teria sido

e o nada que é e sempre foi,

hás de querer mudar, me notar,

e eu estarei aqui a te esperar, enfim,

para um novo enredo, um novo fim.

 

_Carmen Lúcia_

 

 

 

 

A poesia virá



E a poesia virá
nascida de todo lugar...
livre, plena, pura,
apesar do breu da noite
que traça mistérios no ar
ocultando a lua insinuante
que através de uma nuvem entreaberta
revela um brilho de sedução
provocando um fascínio ofegante
que prontamente despertará.

E a poesia virá
quando ao abrir os olhos
vir a noite virar dia
colhendo toda a alegria
da manhã que sugere renascer
encobrindo a nostalgia
de um sol que se faz poente
e languidamente
desmaia no horizonte
após da tarde, a despedida,
e calmamente se vai...

E a poesia virá
quando a esperança ficar.
Ainda que a dor atormente,
o mundo tornar-se descrente,
o sofrimento teimar em arder
queimando o cerne da gente,
a alma só ganhos terá
lapidada pelo ourives do tempo
trazendo a certeza de que passará.

E a poesia virá,
simplesmente,
sem palavras, brandamente,
com o silêncio que se fará,
traduzido pelo encantamento
dos versos que o poeta interpretar,
enlevado pela emoção
de quem fala sem falar.


 _Carmen Lúcia_

quinta-feira, 13 de março de 2014

Ladainha



Sozinha, rezo minha ladainha... 
Enquanto o plenário, pleno e solidário,
decide o destino insosso e arbitrário
de um povo adepto à resignação
sentindo-se protagonista da sessão.
 
Essa pseudo-solidariedade bate, rebate,
revida e causa aversão,
fere a religiosidade de qualquer cristão
pela precariedade de boas intenções,
pela fragilidade na execução de ações.
 
Baseada na hipocrisia
ventila o brado, a mesma mentira
 recriada no dia a dia,
atrocidade que não mais convence,
mas que há muito pertence
ao cotidiano de um povo mediano
que bebe da água benta que o alimenta
e no mesmo passo segue caminhando.
 
Sozinha rezo minha ladainha...
Invoco a Salve Rainha,
o Santo Padre, o Papa,
o Pai Nosso, a Ave Maria,
o Santo que me guia,
o Vigário da esquina.
Melhor invocar os santos
que engolir o que me abomina.
 
_Carmen Lúcia_