terça-feira, 31 de março de 2015

Da janela...



Da janela...



Da janela vejo as folhas se entregarem
voando lentamente ao outono, com o vento,
buscando o alento de efêmeras moradas,
cumprindo a missão que lhes foi predestinada.
 
Da janela vejo o inverno incisivo
com seu poder decisivo de congelar e lacrar
 jazigos onde folhas esquálidas repousam
pra renascerem quando a estação voltar.
 
Da janela vejo a vida ser mais bela,
o tempo de espera faz surgir a primavera
antes recolhida, adormecida sob a terra,
brotada das sementes, renascida em folhas verdes,
nas flores coloridas, perfumadas e singelas.
 
E as estações do ano nunca encerram suas lidas,
morrem e renascem retratando a própria vida...
Bailam pelo tempo em performances verdadeiras.
Terá a vida a mesma significação?
Da janela vejo a próxima estação...
Quantas mais verei até a derradeira?
 
 


               _Carmen Lúcia_
 

segunda-feira, 30 de março de 2015

Em busca de mim



Quero partir…
Quando a luz tremeluzida
de uma manhã não amanhecida
encobrir meu vulto,
confundir meus passos,
ignorar minha partida.
Quero partir…
No intervalo entre a noite e o dia,
adentrar a madrugada que silencia
e a lua sonolenta não me vir,
não pedir para adiar a minha ida.
Quero partir…
Calada, ouvindo-me somente a mim.
De que adiantam palavras
se os lugares estão desertos
e o eco se perde sem ninguém ouvir?
Quero partir…
Observar caminhos, pedras, jardins.
Solitária, entender cada detalhe
que ainda não entendi, não vi.
Desafiar a multidão que anda por aí
sem perceber, sem nada ver.
Quero ir…
Levar-me até a mim, me encontrar,
aquietar a inquietude de minh’alma,
buscar o acalento que acalma
antes que o sol aponte
e de novo me desencontre.
Trazer-me de volta, enfim,
ver o dia raiar em mim.

_Carmen Lúcia_

quinta-feira, 26 de março de 2015

Creio em ti



Antecipa-me o céu...
Bem de leve, sem escarcéu,
clareia-me a escuridão,
mar de atrocidades, turbilhão,
onde a hipocrisia se cria
gerando só falsidades
e a poesia se esconde
em meio a desarmonia...
Anseio a paz que há em ti,
reviver o que já cri.
Abre-me portas,  janelas,
incita meu voo livre,
ampara-me em tuas asas,
junto de mim convive...
Preciso do ar que exalas,
ouvir de teu coração
a melodia que espalha
ressuscitando emoção...
Devolve-me a paixão esquecida,
me faz  forte ...guarida,
põe-me diante do novo,
de novo, diante da vida...
estanca a minha ferida
sopra de mim essa dor,
livra-me de qualquer rancor,
devolve a fé que perdi.
Só tu podes...Creio em ti...
És o Amor!


_Carmen Lúcia_

O caçador de sonhos




Andava pelo mundo
fazendo-o sobreviver,
resgatando a alegria,
espalhando transparecer.
Despojado e arrojado,
perseguia sua missão,
admirado, ridicularizado,
traçava seu caminho dourado.
Entre loucura e sanidade
procurava a identidade,
a essência que faltava
pra saciar procedimentos,
ímpetos de atrevimentos,
quando tentava voar...
E até conseguia,
sentindo a alma levitar.

Girava com o mundo
e os sonhos mais profundos,
agarrava-os no ar...
E batia as asas sem parar.
Eram bem diversificados.
Alguns, muito bem sonhados,
outros, ansiosamente aguardados;
havia os que nem eram sonhos...
(sonhadores desmazelados)
Sonhos coloridos, atrevidos,
ousados , doridos,
distorcidos, empedernidos,
que ganhavam vida
afagados por suas mãos,
soprados na direção
de quem os havia sonhado,
para vê-los realizados.

Não desperdiçava nenhum!
Pois sabia que se os perdessem
viveriam na solidão...
Ou quem sabe até morressem.
Almas vazias...
Isentas de emoção.

               Carmen Lúcia


segunda-feira, 23 de março de 2015

Viaduto




Nível divisório (e ilusório) entre dois mundos
que não se encontram, mesmo perto, sempre juntos.
Realidades paralelas, não se cruzam, se recusam…
A apoteose e o apocalipse, a discrepância, a discordância.

Em cima o sol,  a passarela,  a vida bela,
poder sonhar, a ostentação, a ambição.
Embaixo a escória, restos de vida, degradação,
o submundo,  o escracho, a solidão.

No alto, a vida indo ao encontro do sucesso.
Debaixo,  escorrendo ao retrocesso.
Passa o burguês  indiferente à desigualdade
e indiferente, o indigente...o que perdeu a identidade.

Muitos despencam lá de cima, lá do luxo,
feito  suicidas, enclausurados pela dor.
Sombras que assombram, que retratam o desamor,
são bichos-homens, vira-latas, degustam lixo.

E permanece lá em cima a indiferença.
Todo o glamour, a arrogância, a burguesia,
e os maltrapilhos, recolhidos, embevecidos
com os out doors, os pisca-piscas...Zombaria!

Até quando esse cenário revoltante?
Só se aproximam pra tirar fotografias,
virar manchetes nas colunas de jornais,
tão cordiais com tais problemas sociais!
E as soluções? Ora, quanta hipocrisia!

Quando acolhido pelo abraço maternal
e acarinhado pela morte, o indigente,
seu corpo jaz, caído ao chão, sobre um jornal.
Do pedestal (aí se cruzam), a sociedade
vem dissecá-lo para o bem da Humanidade.


Carmen Lúcia
02/11/2006


sábado, 21 de março de 2015

Chega um tempo...





Chega um tempo que não tem mais graça
olhar a vitrine, tomar um bom vinho, dançar uma valsa.
Andar por aí, curtir o que vier, sentar-se na praça.

Chega um tempo que não  entusiasma tanto
vestir roupa nova, gritar o que choca
 e dançar um tango.

Chega um tempo que é outro tempo
rápido, escasso, sem tempo
de olhar à janela, dobrar a esquina,
perder a cabeça, buscar outra sina.

Chega um tempo que o espelho embaça
a beleza das coisas que antes via
e que o próprio tempo  oferecia…
Vista agora através da vidraça.


Chega um tempo desprovido de vaidade
  cada espaço se enche de verdade
  o supérfluo se perde com a ilusão
 e a vida perde um pouco da graça
 dando lugar à razão.


_Carmen Lúcia_


Só quem sabe...





Só quem sentiu na carne o espinho, sabe valorizar a beleza de uma flor.
Só quem pisou as pedras do caminho sabe que ao chegar supera a dor.
Só quem chorou lágrimas de suor sente, na chuva, gotas de frescor.
Só quem se perdeu no breu da escuridão, vê mais intenso o brilho das estrelas.
Só quem viveu o rigoroso inverno consegue ver de perto a primavera.
Só quem emergiu de um fracasso sabe do calor de um abraço.
Só quem perdeu um grande amor reconhece sua capacidade de amar.
Só quem faz de seus sonhos poesia, sabe que é capaz de voar.
Só quem sofreu a dor da partida sabe que a dor é lei da vida.
Só quem revela suas fragilidades encontra na derrota algum motivo para lutar.
Só quem sentiu o fogo do inferno sabe da felicidade de se alcançar o céu.

                                   _Carmen Lúcia_

quinta-feira, 19 de março de 2015

Que...




Que as incertezas geradas pela imposição da vida não bifurquem meu caminho;
Que as asperezas sofridas não me separem do carinho;
Que o frio do inverno não congele meus sentimentos;
Que o breu da noite não me impeça de imaginar a lua;
Que o espinho da rosa não me afaste de sua beleza;
Que os erros cometidos me façam refletir e um dia acertar;
Que ao buscar a liberdade a encontre primeiro em mim;
Que eu saiba discernir desejo e prazer, amor e paixão, ser e ter, para que me complete como ser humano;
Que a razão esteja na mesma proporção da emoção e se manifeste a que mais se requer , no momento que melhor aprouver;
Que minhas expectativas caminhem ao lado dos sonhos e que eles não voem mais alto que eu possa alcançar;
Que a distância por mim percorrida não me desvincule de minhas raízes;
Que cada derrota vivida seja um trampolim para recomeçar;
Que após cada vendaval eu creia num novo sol a sorrir;
Que a justiça seja meu escudo no combate aos preconceitos e desigualdades sociais;
Que o universo conspire a meu favor a cada apelo, a cada grito de dor;
Que antes de mais nada seja lida minha alma e não prevaleçam as aparências;
Que o amor fale mais alto, calando a insensatez do ódio;
Que as cores do arco-íris descortinem as brumas do oceano refletindo as belezas do mundo;
E quando a aridez do solo sangrar os meus pés, que eu crie asas e possa voar...


_Carmen Lúcia_

Mariposas



Em direção à luz
voam as mariposas
tristonhas, enfadonhas,
isentas de beleza...
Querem ser borboletas.
Sonham, em suas prisões,
com cores, jardins e paixões.
Quais damas da noite
desafiam os açoites
dos ventos que tentam impedir
o seu triste voar,
desejos de ir e de vir
rodeando brilho de luz solar.
Cegas pela ambição
não percebem que a luz a brilhar
não é a do dia nem a da paixão;
é a que o homem acende
sem prever tamanha ilusão.

_ Carmen Lúcia _

domingo, 15 de março de 2015

Espero...





Espero…



Espero do amanhã,  a manhã
que convença, cause, aconteça,
rejuvenesça a velha esperança
às vezes apagada, outras, chama acesa
a derreter a vela,  findar o pavio,
reacender a crença de quem crê,
mas nunca viu.

Espero do amanhã, a  manhã
de brilho um tanto diferente, irreverente
ao frescor das folhas, ao cheiro das maçãs,
ao meu jeito indolente de me acomodar,
de me mesclar  com o dia,
de  me deixar levar.

Espero do amanhã, a manhã
de sol ardente, surpreendente,
 mudar o ritmo da vida dolente
retida por não saber aonde  ir,
trancada pela chave que tenta coibir
a dar novos passos
a uma nova dança
nova ciranda ao redor do dia
a acordar a lua em plena coreografia.

Espero do amanhã,  uma manhã
alegre, diferente, transparente,
trazendo recados sem recatos
no papel em branco, gravados,
projetando luz no  que virá
no que acontecerá
no que mudará
no que será.

(Carmen Lúcia)


terça-feira, 10 de março de 2015

Barco desgovernado





Segue no mar agitado o barco desgovernado.
Condenado por seus impropérios ,
abusos desmedidos, despautérios…
Ancora agora sua proa à toa,
em portos mal definidos,
cascos e convés destruídos,
fétidos refúgios mal vistos…
Poderia ter transportado sonhos,
seguido a rota do sol,
despejá-los ali,
bem na linha do horizonte
onde o céu se encontra com o mar
em noite linda de luar.
Poderia ter carregado esperanças,
seguido a trilha iluminada das estrelas
e mesmo que nunca pudesse vê-las
refletir seus rastros de alegria e cósmica poeira
no tapete de um mar repleto de ilusões
vendo os sonhos navegarem a imensidão.
Ter ido e vindo, militante do bem,
combatente do mal(u),
ter sido um elo entre verso e universo,
avanço e progresso,
vitória e conquista
ética e nação.
Içar a vela que não se rebela,
o orgulho de seu comando... mas não.
Preferiu o caminho dúbio da ambição,
manchando de vermelho sua bandeira…
Hoje, agoniza na areia.
Seguiu o canto da sereia.


(Carmen Lúcia)

domingo, 8 de março de 2015

Mulher



























“ Faça-se em mim segundo a tua palavra..."
Eis Maria,eis a Mulher
de cujo ventre nasceu o Salvador
que dividiu a história da humanidade
em antes,sem Maria
e em depois, amor em demasia.
Mulher que doa e que perdoa,
que abdica, se sacrifica,
que vai à luta, que se transmuta,
Mulher que chora e que implora,
Mulher que ousa, que desafia,
que não tem medo, é atrevida,
Mulher que é raça, que é Maria,
que é da Graça ou é da Glória,
que ganha o mundo,faz sua história,
que é das Dores...e sem rancores,
exala olores,cheiro de flores.
Que se empenha...e é da Penha,
Ou simplesmente...que é Maria.
“E seja feita a Tua vontade...”

_Carmen Lúcia_