sexta-feira, 27 de abril de 2018

Utopia



























Não há chão para meus pés.
As escolhas foram em vão.
Banho-me em igarapés
 cercados de ilhas, isentos de vãos.
Sem a correnteza do rio
ou o renovar de cada instante
de todo dia que vem desfilar.
Quando eu for embora
sei que irei vazia,
meu coração aqui irá ficar.
E minh’alma dançará
pelos cantos das esquinas
com minha fantasia
e aquela música que tocará.
Perdi-me em versos, em pobres rimas
buscando poetisar o brilho do universo.
In versos, fiquei por lá.
Ninguém sequer me via, me lia
ou compreendia minha poesia.
Fala-se em ódio, polarização.
Entre os seres, a desunião.
Falas que não competem ao poeta,
atitudes inversas a sua religião.
Jogo a toalha no chão.
Talvez me vá para sempre
ou volte algum dia.
Tentar abraçar a utopia.


Carmen Lúcia

terça-feira, 24 de abril de 2018

Ânsia de viver

















Quis viver o amanhã, hoje.
Ter tudo de uma vez, agora.
Corrida insana. Desejo aflora.
Num instante obter o que degola.
Deixa o que há de mais caro,
as raízes , a identidade,
o amor tão raro.
Olha por cima, maldiz o agouro.
Era o arrimo, o remo, o rumo…
Não mais seria o velho prumo.
E foi, pisando a dor, o abandono,
a terra de pranto molhada,
a essência de si, ceifada.

Cegou-lhe o brilho falso da vida,
o cansaço de noites mal dormidas.
De palco em palco absorveu aplausos.
Sentiu-se rei. Foi sua própria lei.
Não contou com os bastidores,
as histórias  verdadeiras,
risos parcos, dores embusteiras.
Sucesso é armadilha sorrateira.

Precisou voltar.
Algo o impelia, o conduzia.
Talvez aquela voz da consciência
que quebra o gelo, a resistência…
Postou-se diante da morte,
 (realidade até então nunca vivida),
chorou o pranto verdadeiro,
acenou o adeus  derradeiro
e combalido, olhar a esmo,
sentiu que jamais seria o mesmo.


Carmen Lúcia






sábado, 21 de abril de 2018

Frias grafias



















Escrevo…
Mas letras são símbolos.
Não tremem o que sinto.
Não ouvem gemidos.
Registram emoções, apenas.
Descrevem sensações, à pena.
Mentem, não confrontam olhares
condizentes, convincentes.
São paus mandados, impressões
que não se impressionam jamais.

Grafam as  dores com sinais
metafóricos, irreais…
Escrevem expressões
frias, caladas, impessoais…
Ah, se pudessem falar…
Se retratassem emoções,
saíssem do papel
em busca de direções
e materializassem
seus registros,
suas marcas,
seus sinais…

Basta de insanidade!
Isso é querer demais.


Carmen Lúcia

Lembranças vivas























Eucaliptos rodeiam estradas de chão,
florinhas colorem beirais e caminhos,
maritacas acordam outros passarinhos,
olores campestres perfumam o rincão.
Ranger de rodas, charretes, carroças,
saudosa lembrança, tempo que se foi,
sorriso no rosto corado,
menina e seu carro de boi alado.
No morro o gado, o rastelo, o arado...
Vaquinhas leiteiras, mato capinado,
sem cercas de arame, ao som de riacho,
cascatas bailando montanhas abaixo.
Os ultravioleta do sol das manhãs,
o fogão à lenha, as chaminés,
o doce de pera, de cidra e maçã,
bolo de fubá, broinhas e café.
Ao pé da colina uma capelinha,
a cruz trabalhada, telhado grená,
a Ave- Maria, silêncio e harmonia
e a romaria do povo a rezar.
Varanda da casa, fiel namoradeira,
segredos guardados da vida inteira,
samambaias, avencas,
vasos dependurados,
o som do berrante tristonho da tarde,
gado em marcha atendendo ao chamado.

_Carmen Lúcia_

(idos de 2007)