domingo, 29 de setembro de 2013

O resto não importa



No peito, marcas que tento apagar,
na alma, vincados os sonhos que ainda restam...
Nos olhos, misto de fim e começo,
no coração, batidas descompassadas, aos avessos,
prenunciam vida e recomeço.
Novo endereço.
 
Na mala, vastas e ricas experiências.
Recair nos mesmos erros? Reticências...
É preciso tentar, dar a cara a tapas,
viver o novo, talvez desconcertante etapa;
rasgar fotografias amareladas
que fazem sofrer e não levam a nada.
 
Abrir cortinas e janelas,
deixar o sol entrar, inundar...
Mesmo que por uma fresta.Que festa!
Ver lá fora a esperança voltando
e o amor timidamente bater à porta...
 
Vou abri-la!O resto não importa.
 
 
(Carmen Lúcia)
 

sábado, 28 de setembro de 2013

O sineiro





Ressoa o sino...
Badaladas ininterruptas,
simultaneamente
sonoras e abruptas.
Celebra o quê?
O que comemora?
O dia que nasce?
A tarde que morre?
A chegada?
A partida?
O encontro?
A despedida?
Soleniza funeral?
Da morte, um sinal?

E o sineiro não se cansa,
persiste até onde o som alcança
ultrapassando sua barreira...
Pendurado na corda,
envergadura torta,
cumpre a missão rotineira.
Lembra o corcunda
das badaladas soturnas
da catedral de Notre Dame.
Incompreendido, sofrido,
quase sem alma, inânime,
jorra sua deformidade,
a dor do amor- castidade
ao ribombar o sino
que trepida a cidade.


_Carmen Lúcia_

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Casamento



Já me casei muitas vezes...
Com meu trabalho, minha dança,
minhas mudanças e reveses, 
minhas artes de criança...
Com tudo que me aprazia aliar...
Já me casei com alguns amigos,
os que conviveram comigo
e com os quais me identifiquei...
Casei-me com a alegria,
com a harmonia e a fantasia...
Com elas subi ao altar.
Separei-me da tristeza,
da desventura e crueza
que me fizeram chorar...
Casei-me com meus namorados
sem branco, sem aparatos,
sem compromisso no papel.
Vivi várias luas-de-mel!

Hoje me sinto bem...
Faço tudo que me convém,
emocionalmente divorciada,
nem só, nem abandonada...
Pela vida, apaixonada.
Casamento é simplesmente
festa dentro da gente...
Felicidade aparente
é morrer a cada instante,
e cada instante é importante
para a autenticidade da gente.


(Carmen Lúcia)

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Meu coração

























Esse meu coração apertado
dentro de minh’alma vazia
procura por um afago
qualquer sentimento vadio
uma breve  carícia
mesmo que fictícia
algo que me faça sorrir
que faça a alma lembrar
amor...

Que viver tem valido a pena
ainda que só por uns instantes
pois a dor nunca é amena
é da vida parte integrante.
 Transforma-se em dilema
passagem difícil e penosa
e a esperança ilusória
vem num barco de quimeras
tem cheiro de flor
invade, persuade
e se revela
amor...

Quero poder acreditar
num trem que traga emoção
preencha meu coração
restaure-o para amar.
Mas a cada estação
sinto-me desabar...
Creio que o brilho dos trilhos
ofusca qualquer sentimento
deixa em cada vagão
a escuridão do lamento,
o fantasma da solidão.

Do desejo, o ensejo.
Do amor, a dor.

_Carmen Lúcia_

Quero


















Quero...
Ser o elo entre o mundo e a paz,
a vida simples de quem é capaz
de unir humildade e grandeza,
sabedoria e beleza
com a mansidão de um  barco 
aportando o cais...
 
Quero...
Ser rio que chega ao  mar
vencendo as batalhas de seu fluxo
ao tornear pedras , colidir em rochas, 
modelar-se à opressão das margens,
nortear as águas durante seu percurso,
único recurso para estancar a sede.
 
Quero...
ser o filme dos instantes felizes,
 o ancoradouro das melhores lembranças,
a saudade que faz companhia
quando a ausência marca triste mudança  
e a vida mostra o outro lado da face,
um lado sombrio, que  se desconhecia.
 
Quero... 
ser a frágil bailarina,
 girar o corpo ao redor da rima,
de seu interior ouvir a melodia
inspirada na arte que  combina
 passos , compassos, coreografia ,
todo espaço irreal, sua geografia  
sendo transformada em poesia.
 
 
Quero...
ser a tarde e sua nostalgia,
cores indecifráveis a findar o dia
num céu que rouba toda a magia
na  transição de fim e recomeço,
reverenciando a noite, o luar, 
as constelações do espaço estelar
preparando mais uma manhã.
 
_Carmen Lúcia_
 
 

Quantas vezes

Quantas vezes

Quantas vezes


Quantas vezes sorri querendo chorar
quantas vezes fui , querendo ficar
quantas vezes calei querendo falar
quantas vezes errei querendo acertar
quantas vezes amei querendo odiar
Quantas vezes ...Quantas vezes...

Quantas vezes silenciei ao invés de gritar
e paguei a duras penas por não me pronunciar. 
Quantas vezes disfarcei, quis representar
achando que a dor não fosse  me achar
e ela me surpreendia mesmo quando me iludia.
A dor não há como driblar. 

Quantas vezes comecei  e tive que recomeçar
com a certeza de que seria fácil, 
mas o difícil se fez predominar.
Quantas vezes senti o barco afundar
e lutei contra as marés até  à beira do mar.

Quantas vezes julguei  o certo e o errado,
imaginei que o errado poderia ser o certo
e o certo, o errado encoberto.
Quantas estrelas guiaram meus passos
 direcionando-os ao acaso...
Que são as estrelas senão somente rastros
de ilusões do passado?

Quantas vezes perguntei  e esperei  calada
e o silêncio foi a resposta a se expandir no nada.



_Carmen Lúcia_

Reconstruindo a vida

Reconstruindo a vida

Reconstruindo a vida



 Venho
 lá do fim do mundo
onde  manhãs são estrelas
riscando o céu de dia,
luzindo sobre o orvalho e a neblina
onde a lua redonda  se declina
e  lança o seu brilho mais profundo. 

Onde o sol da meia noite
é rei vestido de ouro,
silvo do açoite que arrebata
e desvenda o tesouro,
 deus irreal, imortal,
luz que nunca se acaba
dourando a Terra adormecida 
que a seus pés se deita, vencida
e a paz do infinito surge de um portal.

Venho
 dos prados mais distantes, 
campinas e flores exuberantes,
 matizes, cores em  gradações
que encantam olhos já pesados,
acariciam a relva e os  pés cansados,
as caminhadas e tribulações.


Venho
e trago a paisagem mais bela
mesclada com  tons d’ aquarela
ceifando rancores,  mazelas
sobre o andor da devoção
regado à imensa emoção...

 Onde o profano desfia o rosário, 
 o cético se ajoelha ao sacrário
e o sagrado é mais que uma oração.
É um pedido proclamado em homilia,
é a vontade de gritar que ainda é dia,
que hoje e sempre é dia de reconstrução.



(Carmen Lúcia)

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Alegria profana




Oh...Alegria tanta,
a fazer alarido
dentro de mim...
a me pôr a bailar
a mais despudorada
e sacrossanta dança,
a provocar mudanças,
a realçar nuanças.
Diante de tal exuberância
deuses se ajoelham
e santos deixam o altar!
Oh...Alegria tamanha,
isenta de artimanhas,
entra-me pelas entranhas
excita meu palpitar,
afaga o meu dorso,
tateia meu pescoço,
sussurra em meus ouvidos
e me faz arrepiar.
Então me pego dançando
o ritmo que imaginar.
Oh...Alegria bizarra,
a me tirar o fôlego
fincando-me sua garra,
ganhando-me com um sopro,
fragilizando meu corpo
na dança que não é das águas
tampouco dança do fogo,
e sim o meio termo,
solidão e sofreguidão,
que apaga a amargura
e dores escorrem pro chão.
Oh...Alegria insana,
que rouba-me a lucidez.
me pinta um quê de profana,
banha-me em sua liquidez
e mesmo estando só
perco-me na multidão,
que sua euforia sugere
com toda magia que insere.
Alegria que grita mais forte
colore a lida, pincela a sorte,
onde o sonho maior se aninha,
nessa dança que realça a vida
contida na alma que é minha.

              (Carmen Lúcia)

29/06/2008