quarta-feira, 27 de julho de 2016

A velha escadinha



A velha escadinha
Aquela escadinha da velha varanda
onde se percebe incontáveis pisadas,
de tão desgastada, saltam-se adiante,
driblando perigos por se achar destroçada...
Os vasos de flores que ali descansavam
surtiam as cores ainda não vistas...
E os beija-flores, de longe, turistas,
roubavam-lhe beijos em meio a torpores...
E quando a escadinha se enchia de flores
exalava seu lastro de essências florais,
a uma distância a se perder de vista,
via-se a primavera ali cirandar...
Aquela escadinha exultante de flores
guarda segredos de grandes amores...
Botinas de couro, sandálias e fitas,
chapéus, coronéis e moças bonitas.

-Carmen Lúcia-

terça-feira, 26 de julho de 2016

Aperta o passo






Aperta o passo…
o tempo não espera,
deixa de cautela,
ouve o que te impele
ou senta-te e espera
e verás o que terás…
um vazio dentro de um vácuo,
um vão incompletando o nada,
ao cruzares os braços,
amordaçares  abraços
vendo o barco partir sem dar trela
e a vela te acenando, desaparecer…

Levanta-te, o tempo urge,
algoz voraz de quem fica pra trás
e tropeça na própria sorte
e retrocede de sul a norte
cambaleando, sem rumo a tomar.
O mundo gira a mil por hora,
vem rodar com ele, anda,
entra agora na ciranda,
deixa os deixares  de ser…

Faz acontecer,  vibra
diante da vida lá fora,
encoraja-te, vai embora,
segue o ritmo das horas,
emociona-te a cada instante,
chora, ri, grita, bebe um espumante,
 celebra o release antecipado,
canta a reviravolta do momento,
pisa o reprise ultrapassado,
vive novo enredo
sem revolta,
sem volta,
sem ai.
Vai…

(Carmen Lúcia)




terça-feira, 19 de julho de 2016

Caminhos intransitáveis





Piso caminhos intransitáveis,
 em chãos não palpáveis
entre paisagens jamais tocadas
ou maculadas pela vil exploração,
 domínio de reles conquistas,
vítimas de cruel exacerbação.
Onde ninguém se atreveu
sem  pesar o que perdeu,
ou se perdeu…
Abraço o desafio da entrega,
desbravo terras, saúdo o alvorecer,
bendigo as flores, os amores, o entardecer,
 os espinhos a sangrar  lições.
Sigo a canção nascida do acaso,
 a luz que clareia, da imaginação.
O que minh’alma carrega
é o que rega o estio que aterra,
oração pra que a chuva ague
o mar ressequido da aflição,
e as viravoltas de girassóis dourados,
nos canteiros e jardins de adoração.
Quero mais lágrimas nos olhos,
 chorar o estio até a sede acabar…


Percorro estradas de folhas desabadas
e outras verde-limão,
pedras amontoadas, tapetes de algodão,
belezas a se perder com toda a razão de ser…
Levo a vontade de ir… sem partir,
sem adeus ou despedida,
do jeito que o sonho pedir.


(Carmen Lúcia)






segunda-feira, 18 de julho de 2016

Contudo...




      

Cobre-me um céu de límpido azul
sem nuvens, sem manchas, sem véu.
 Um sol que o circunda a toda hora
inaugurando o dia em pleno festival
trazido pela aurora, levado pelo arrebol.
Espetáculo silencioso, poucos aplaudem,
 muitos nem veem…Perdem o show.
Cores que se dissipam em desabono
e voltam apagadas ao matiz
resgatar o brilho da tonalidade,
tornar o mundo mais feliz.

Cerca-me uma paisagem imaculada,
plantada pelas mãos de ninguém,
arquitetada para arrefecer os olhos
ou pôr à prova a incredulidade de alguém,
ornamentada pela alma do artesão,
destinada  a ficar calada, parada,
enquanto o homem corre pra viver
levando sua vida não consumada
sem nada ver ou se levar pela paixão.

Sagra-me  o gorjeio das aves
em seu ritual de oração,
quando, à tarde, em retirada
partem buscando outro verão.
E essa visão entorpece…em vão.
Escureço com a noite,
o homem vagueia pela rua,
o sol não acordou a lua,
 as estrelas trocam de lugar
esquecendo-se de brilhar…

Invade-me a nostalgia do fim do dia
como se fosse o fim de tudo.
Fim do mundo que teima
e continua a girar, contudo.


(Carmen Lúcia)









sábado, 16 de julho de 2016

Perto...e longe





O que nos distancia
não é a distância em si…
Mas a notória discrepância
das passagens transitórias
por caminhos que não devíamos seguir.

O que nos distancia
são poucos passos, enfim…
E um mundo de incompatibilidades
a truncar os trilhos da mesma direção.
Choque de opiniões, dualidade da razão,
verdade que cada um segura em sua mão.

O que nos distancia
diz respeito à (in)sensibilidade…
Disparate na proporção dos sentimentos,
balança que pende incansavelmente
do lado onde a emoção se reporta…
 o outro lado se eleva contendo vento.

O que nos distancia
é a falta de concordância
destoando a sintonia
que morre todo dia
aumentando a distância
nos recônditos de nós,
enquanto reverberas  luz imprópria
fazendo a poesia calar a sua voz.

O que nos distancia são anos- luz…
 antagônicos sinais a dirigir
a nau que pelo tempo nos conduz.
 A incerteza de não saber onde ancorar,
 a comodidade que nos rouba o desafio,
o encontro de almas desiguais.



(Carmen Lúcia)




sexta-feira, 15 de julho de 2016

Eu e eu




Hoje eu queria um cantinho,
um pouco mais de silêncio,
um tanto mais de carinho…
recolher-me em mim mesma,
resgatar velhas lembranças
-as que viraram saudade-
e dentro de mim são flores,
vestígios de felicidade
tateando os vazios,
desenhando amores,
tentando alegrar meu dia
ecoando rumores.

Hoje eu queria me desprender
e comigo mesma falar…
dizer-me as palavras certas
tão difíceis de  encontrar
se não se sabe onde o certo cabe
ou se minh’alma o acatará…
 Abraçar meu próprio eu,
na mesma taça de vinho brindar
um possível recomeço
sem vontade de chorar,
sem carência de carinho,
sem urgência do cantinho,
lugar pra se isolar.
Dizer que o sonho permanece,
que eu ainda sou eu,
vida que requer vida,
alma que prometeu
 unir os meus distantes eus.



(Carmen Lúcia)



terça-feira, 12 de julho de 2016

Compondo a poesia




Junto-me à sensibilidade
e a tudo o que lhe faz parte:
o suave desabrochar da flor,
a beleza infinda do final da tarde,
a rima que se perde à revelia
e se arrima onde explode a euforia,
o verso que quer se declarar
e de repente fala sem falar.
A angelical bailarina,
 a arte que predomina
e desalinha o próprio coração
descompassado por tamanha devoção.
A canção que virou saudade,
seus acordes que me persuadem
induzindo-me através do tempo,
passando devagar por onde já nem lembro.

Junto o amor e a dor
- amar é sorrir, é chorar-
à alma vigilante e inquieta do poeta,
usurpador de sonhos, caçador de fantasias,
às cores outonais da nostalgia
pincelando as manhãs da estação
embaçada de orvalho e de paixão.

E assim vou compondo minha poesia…

(Carmen Lúcia)



domingo, 10 de julho de 2016

Pobre manhã




      

Pobre e crédula manhã
sempre a surgir invicta,
convicta do bem a ofertar…
Esbanja  luz candente
sobre um mundo displicente
 no esforço vão de o elucidar,
clarear caminhos que se atropelam
e por vias dúbias  se desencadeiam
absortos por desvios que não vão chegar.

Manhã promissora e persistente,
 não se cansa de amanhecer,
de se oferecer majestosa e iluminada
a quem só caminha sem ver nada
 esnobando a magnitude de sua beleza,
desprezando o convite de abraçar o dia,
nova esperança embrulhada no presente,
estrada nova onde a vida principia.

Bendita manhã que morre e nasce
no afã do recomeço do amanhã…
Nada de novo sob o sol
a incendiar candeias de brilhos e poeiras
desperdiçadas onde transita o arrebol,
onde o horizonte rastreia a imensidão,
onde o homem se perde ante a visão
de sua finitude, desvario e reverso,
e se apavora ante a grandeza do universo.


(Carmen Lúcia)







segunda-feira, 4 de julho de 2016

Por força do hábito




Por força do hábito
dopamos os defeitos
e vamos "aos fazendo de bonzinhos"...
Com o tempo a tolerância domesticada
esconde por debaixo dos panos
a rebeldia
o olhar irreverente
o rosário
as crendices

De certo ficamos desertos
de ilusões perenes
almas esfarrapadas
cambaleamos feitos zumbis
até que a linha do tempo
esgote

E o que fica como legado
jamais é cultivado...
 Vida fraudulenta
forjadas virtudes
omitindo o que fomos
querendo ser o que somos
mas isentos de atitudes

E o olhar outrora escondido
de irreverência despercebida
quer agora se pronunciar...
E o rosário desfeito
de contas puídas
espelha a rebeldia
que semeou nossos dias
vendo o tempo passar...



Carmen Lúcia e Fátima Cerqueira