quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Evidências















As evidências estão por toda parte,
sufocam o ar, penetram a solidez
de consistências impenetráveis.
Impõem a presença do ausente,
intensificam a dor que se sente.
Instalam-se, invulneráveis, na insensatez
de um coração que arde sem reagir,
na estupidez de uma razão covarde,
ilógica, permitindo tamanha invasão...
a devastação total de um ser
que escancarou a porta ao incontestável,
e sem clemência deixou suas marcas
entranhadas, delineadas, gravadas
na vida que tento viver,
no pranto que tento reter,
no riso que já não é meu,
na poesia que tanto doeu
e se alimenta de tudo que é seu,
alienada às evidências fincadas
num  amor que já morreu.
 
 
_Carmen Lúcia_


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Transformação
























Retira o cinza da vida,
pinta-a com a leveza das cores
suaves, amáveis, amenas,
penetráveis à alma, apenas,
à espera do facho de luz
que conduz,  estimula à calma,
 induz ao encontro da paz.
Enxuga o pranto salgado
molhando o rosto cansado,
mostra que sabes sorrir.
Inventa motivos…  Eles hão de vir
enterrar os já saturados,
 os novos serão festejados
com bailados, flores e cores
em qualquer jardim.
Faz isso por ti, por nós, por mim.
Dança com o pôr do sol,
vibra a estrela cadente
riscando teu âmago ardente…
 lixa a aspereza do corpo,
mergulha-o em águas fluentes
onde haja rosas, ninfas e duendes.
Desequilibra o lúcido, o insano.
Pende  para a loucura, por instantes,
intervalo para a inspiração,
suporte para a transformação.


Carmen Lúcia





quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Despedida


















Agora que eu era quase feliz
é para me despedir do tempo,
entrar no epílogo de minha história,
ir calando as emoções sonoras,
guardar o sentimento que chora
e disfarçadamente pingar um ponto final,
até finalmente calar.
Abraçar uma nova velha fase
e com ela me descaminhar…
Guardar o que couber na memória
e o que sobrar deixar para nova história,
quem sabe do mesmo contexto
em que minha vida ora vigora.
Hoje o tempo me faz ir devagar,
o meu coração corre a divagar
e me espera onde não posso chegar,
onde os acordos eximem prioridades,
onde a fantasia se veste de verdade.
Os desacontecimentos florescem
 num tempo que já não me quer.
O mesmo que me ensinou a amar,
a viver sem percebê-lo passar,
(foi tanto o que deixei escapar)
a cada dia em novo cais aportar.
Há um pedaço da alma em cada lugar.
Agora que me agarrei ao tempo
tenho que me desagarrar.
Deixá-lo ir, partir…
E eu (de)vagar,
ficar.

Carmen Lúcia



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Ausência




























Ela dançava, ela sorria,
ela esbanjava sua alegria.
Ela nascia, ela morria
e renascia co’a flor do dia…
Ela vertente, ela nascente,
leito e percurso da poesia.
Corria mundos… Não poderia
não fosse o dom da inspiração.
Varava sóis, cobria luas
nas fases frias de noites nuas.
Ela esboçava e coloria
os muros cegos de seus quintais…
Trancava dores,  calava ais,
abria frestas para os amores.
Juntava cacos da euforia
e enfeitava os festivais.
Vagava versos em sintonia
com o trem das cores
nas estações.
Ela fazia e acontecia
sem demarcar as emoções.
Ela nascia, ela morria…
Hoje ela jaz.
Não nasce mais.


Carmen Lúcia