domingo, 23 de outubro de 2016

Por que não?

























Dá-me uma razão aparente,
um motivo convincente
pra me fazer mudar.
Desfazer-me de mim,
ser camuflada e ruim,
traçar meu próprio fim.

Por que não posso ter
o destino que se me atrela
 se minh’alma aberta revela
o enredo de meu filme
projetado por detrás da tela,
visto por ninguém.
Ninguém sou eu também.

Por que calar o meu verso
se nele  me refaço,
com ele sou universo,
  nele  morro e nasço,
percorro terras, voo, me acho.

Por que mostrar meu reverso,
 o vazio se instalou aqui dentro
e o mundo que adentro
tem o não que me impuseste
e o teu poder de decisão.

Dize-me o porquê do não,
mostra-me tua razão,
convence-me a mudar
e tu serás o tema
da mais insonhável utopia
pranteada num poema.

(Carmen Lúcia)


sábado, 22 de outubro de 2016

Sem direção

















     

Aponta-me um caminho
de pedras, de flores, espinhos…
Mostra-me a direção,
uma pista, um traço, um vão…

Devolve-me ao meu ninho
devastado pelas incertezas
das convicções embusteiras,
 armadilhas traiçoeiras
 plantadas para depredar
o espaço onde piso os pés
e ando ao revés sem nunca chegar.

Ilumina a escuridão da sombra
que anoitece meu itinerário,
quero ver a luz brilhante
acender o pavio da vela
e toda sacrossanta fé
incandescer o santuário,
revelando, num instante,
o final de tanta espera.


Indica um ponto sequer,
um sinal, qualquer hora,
uma rua, um porto, um cais,
um talvez, um agora...
um lugar onde possa chegar,
uma estrela que me guie
já que a manhã não vem mais
e preciso continuar…


(Carmen Lúcia)



segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Meu pranto






















Aqui derramo meu pranto.
Com ele a essência do mais íntimo,
do mais impenetrável de mim.
Com ele o que tenho de mais santo
e nem sei se quero o seu fim.

Lembranças que me dizem o quanto
de saudade me alcança.
 Lágrimas que mais chorei
sagrando sentimentos tantos
que jamais imaginei sentir
e passaram a existir, enfim,
à medida em que me dei conta
que ser humano é assim.

Guardado em pote de cristal
num templo surreal, aqui,
para  não se contaminar
visto não ter havido nada igual
e refletir, ao meio-dia, o sol,
luz a vasculhar da alma a poeira,
fuligens do tempo que se esconde
deixando a vida acontecer inteira.

Aqui derramo meu pranto.
Não houve como segurar…
Tão santo, tão brando, tão tanto.
 Das entranhas, um acalanto,
do coração, um venerável canto,
correndo o risco de se macular.

        Carmen Lúcia



terça-feira, 4 de outubro de 2016

Arte





















 Caminho.
 O percurso de sempre.
Percorro o que não condiz com minha mente.
Um desassossego invade meu ser,
arrasta-me para ver o que ali não existe.
Sussurra-me aos ouvidos: Ouça!
Paro.
Mas a inquietude persiste…
A melodia insiste  em ressoar
a trilha sonora que me persuade.
Uma força misteriosa invade.
Rendo-me.
Deixo-me levar por ondas magnéticas
até onde o sonho permite,
e ele jamais impõe limite…
 Minh’alma deixa aquele lugar.
Lá estou e não estou.
Sem impasse encaro o desafio.
Reconheço-me na arte, no que me impactou,
em toda a beleza que se esconde
na  pura expressão de amor,
força movedora a segurar o tempo.
Arrebatada pelo mistério  de sua magnitude
vejo toda a plenitude de seu esplendor
e ainda me sinto faminta de vida interior.
Comparo.
Arte está imbuída na mística da fé.
Ambas ocupam o mesmo patamar.
Movem, comovem, removem.
E de lá volto ao mesmo lugar
 onde me deixei levar, meu cais,
com a grata sensação
de ter conhecido a paz.




(Carmen Lúcia)




segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Marcas
























No corpo a marca da roupa da moda,
 os tênis de marca realçam os pés...
cabelos marcados de nós desatados 
dos laços de fitas em tons degradê.
Nos lábios as marcas de batom já vencido
roubado de um beijo que muito marcou.
Na pele a marca do sol de verão...
Bronzeado de praia que não se apagou.
No peito, um coração a pulsar disparado
marcando o compasso do primeiro amor.

No rosto as marcas cravadas do tempo,
veloz redemoinho limitando o chão...
Cabelos marcados por lenço amarrado
escondendo o grisalho e as marcas da dor.
Pegadas marcadas no peito desfeito,
 rastros de amor que por ele passou,
os olhos sem vida, sem cor, desbotados,
demarcam as cinzas do que não ficou.
Os passos se arrastam, pesados, cansados,
alastram as marcas que o tempo deixou.

                Carmen Lúcia