sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Silêncio, escuridão e mais nada


























Esperei o silêncio se pronunciar,
as últimas notas musicais se apagarem,
as falas se amortecerem e aos poucos
se esvaírem pelos arrabaldes...
O assovio do vento foi se enfraquecendo
e o tempo ininterrupto ficou ali prostrado.
A última sombra saída dos patamares
no vácuo se escondeu perdendo-se pelos lugares...
A lua não se manifestou, e solidária,
se fez meia, fino anel de prata,
estrelas apagaram suas luzes
deixando o breu da noite ocultá-las...
Um uivo abafado por não ver a lua
aquietou-se na penumbra da rua...
Agora era silêncio, escuridão e mais nada.
Assim quis permanecer...
Início da madrugada...
Nenhum ruído a comprometer,
nenhuma luz a me acender
e eu ali calada...
Momento propício
para um diálogo destoado
em que o silêncio fala por si mesmo
e o pensamento, um eco lá de dentro...
É um choro convulsivo rebuscando a camuflagem,
é o encontro de dois eus discutindo seus disfarces...
O eu que sou, sufocando a espontaneidade ,
o eu que não sou , dissimulando minha imagem.

_Carmen Lúcia _

Entre perdidos e achados


























Tantos retalhos costurados,
remendados um a um,
mente a recriar atalhos,
mão a cavoucar ilusão,
linha a bordar continuidades,
histórias tendendo acabar,
caminhos por onde passar
quando não há caminho algum…
E o que se segue, persegue-se
tentando agarrar
motivos pra sobrevivência,
sentido para festejar
outro nascer livre
no lugar que um dia virá,
 quem sabe aqui ou acolá…

Trilhas do desequilíbrio lúcido
a remexer sentimentos calados,
trazê-los à tona, despertados,                                                        
fazendo barulho estridente,
entorpecida mente,
abrindo fendas e passagens
às vividas experiências,
legados e essências,
buscando outra existência
entre perdidos e achados,
sem metas, sem retas ou direção,
num tortuoso espaço
traçando passo a passo
a rota da imaginação.

(Carmen Lúcia)


sábado, 24 de setembro de 2016

Desfile de flores



Poesia criada nos idos de 2007, sem mudanças na ortografia.
Desfile das flores
Num reino encantado de olores e cores,
Onde a fantasia sugere poesia,
Desfilam faceiras, abertas aos amores,
As flores mais belas do "Rancho das Flores”.
Vem a margarida, tão cheia de vida,
Com saia de pétalas, girando, atrevida,
E a orquídea esnobe, altiva e rica
Lembrando a nobreza da corte esquecida.
Agora...suspiros...rubores...pudores...
Maria-sem-vergonha, de ardores, fulgores,
Tão discriminada, até ultrajada...
Porque dá à toa...Que triste! Coitada!
Logo em seguida, o lírio do campo
Com sua pureza, vestido de branco,
Recompõem-se as flores num clima de paz,
Recobram os valores, a moral se refaz.
A um certo perfume...silêncio total...
É a dama-da-noite, beleza fatal!
Atrás dela o jasmim que saiu do jardim
para a dama aplaudir...e sonhar...e sorrir...
E no ar, de repente, um calor eloqüente
Faz as flores tremerem, suores intermitentes
Exalam fragrâncias, ao vê-lo à distância...
É o amor-perfeito com um cravo no peito.
Feito uma estrela, a papoula vermelha,
Com “caras e bocas” a quem quiser vê-la,
Roubando os olhares, a tulipa amarela
E sua postura, beleza singela.
Ponto alto da festa, momento de esplendor,
Violetas dançaram a “Valsa do Imperador”!
Não se apresentaram as viçosas açucenas,
Presas nos caminhos a ouvir cantilenas.
Chegaram as onze-horas colorindo a passarela,
Dando passagem a ela...à rosa...a mais bela...
Curvaram-se todos em respeito à donzela,
Rosa rainha e seus espinhos, as sentinelas!
De repente, um acidente...e fala a bromélia:
-Caiu lá do galho a insinuante camélia!
O chourão choramingou e surgiu no jardim
Com uma placa na mão anunciando:
Fim!

_Carmen Lúcia_

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O poeta não...





















O poeta sabe que não pode parar…
Nada o obriga a prosseguir
a não ser a inquietude louca
ou o frenesi indomável
de combinar palavras
colhidas e equilibradas
na corda bamba imaginária
de um circo dentro de si
sem sombrinhas ou proteção,
palavras à vela, despojo que revela
a verdade que pode ser sua
e  se coloca nua
exposta numa janela.


 Não, o poeta não pode parar…
Tem por sina dizer o que obstina,
tem por norte não temer a  morte
visto que  da alma lança mão,
alicerce da inspiração,
substrato da mente, semente
 que entumece e cresce
enquanto o resto permanece em vão.

 Sem poeta é mundo sem visão,
é olhar por trás da lente que embaça,
não perceber o pranto, o riso, a esperança,
o sonho escondido
por detrás da vidraça
dançando com versos
ao som da inspiração.
É ver a insensibilidade
virar coração…
Viver num mundo triste
onde a realidade persiste
em ser apenas o que é.


(Carmen Lúcia)


terça-feira, 13 de setembro de 2016

Pedaços





Quantos pedaços meus
fincaram trilhos pisados,
rolaram ladeira abaixo,
afogados em poças e lágrimas,
 enroscados em quinas
cobertas de limbo e musgo,
pintadas do medo que investe,
caiadas de coragem tirada do nada
a esconder cada retalho
em cada pedra de atalho,
em tudo que se perdeu…

Quantos pedaços truncados
cravados em pétalas de flor,
em cada gesto de amor,
em cada mescla de cor
aliviando o peso da dor
a dividir partes de mim
entre ir ou ficar,
desistir ou lutar,
e por fim partir,
ficando.

Quantos pedaços me refarão
 trazendo-me a mim
se em caminhos bifurcados
perderam-se, enfim,
e os retalhos reavidos
se desfazem ao cerzir
esgarçados pelo tempo
costurado de momentos
que vêm para em seguida ir…


(Carmen Lúcia)