quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Estrela da manhã



Ei-la que surge em silêncio
calando o infinito de paz celestial,
luz que invade as manhãs,
adentrando o surreal
e permanece enquanto dure
a incredulidade dos perplexos,
rendidos à força de sua atração,
magnetismo que rouba do mortal
a meditação, a visão, o real...

Mantem-se luz...Será estrela?
Vê-(nus) de um patamar a nos espreitar,
cintila candura de luminosa esfera,
desafia neblinas que a interpelam
lançando o néon que a reverbera,
enquanto predestinada anuncia
a vinda da manhã...e espera,
impondo majestosa presença,
nem arrogante, nem modesta,
sugerindo cautela...

Espiã misteriosa, sabe os segredos
de tudo que não pode ser dito,
da imensidão por onde alastra
seu brilho místico, seu rito, seu mito,
a sua estada pelo infinito...
Chega antes de mim, sorri...
Meus olhos bebem a distância
entre eu e ela...
no afã de percorrer seu rastro
e ouvir o que seu silêncio
revela...

Estrela da manhã...
Alvíssima, dalvíssima, talismã...
Que seu encanto não desaponte a manhã
e sua beleza não esmoreça
ao fascínio da imensidão,
perdendo-se entre nebulosas,
armadilhas da ilusão.


_Carmen Lúcia_

Convés





 Meu barco não vai sem mim
deixar-me só, em desabrigo,
levar meu desejo de ir
de divagar pelo mar e fluir.
 Anseio  deixar o porto,
navegar  meu sonho mais louco
 em confronto com as marés,
esse meu destino torto
ancorado ao invés.


Espero a névoa subir
a estrela se distrair
o sol se deitar
o barco surgir
e enfim, partir.
 Recolher-me em seu convés
sem  sequer querer saber
se vai chover, se vai dar pé.
Caso o barco afunde
com as mãos irei remar,
aprenderei a nadar.

No cais deposito o caos
de um naufrágio urbano,
as velas  das velhas naus,
os desatinos humanos,
as vezes que eu engoli
o pranto fingindo sorrir.
Portanto quero partir,
se naufragar crio asa,
alço voo, me recolho
no convés de uma gaivota
voando ao revés de casa
sem pressa, sem hora, sem volta.

_Carmen Lúcia_

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Castelo sombrio


Vida sem laços




Dos entrelaços da vida desatei os nós...
Das manifestações amigas, nada restou,
sentimentos se perderam me deixando a sós
frente a um espelho a refletir quem sou.

Lembranças vêm me trazer saudade,
lembrar quem fui em outra realidade...
Hoje temerosa e insegura me escondo,
às canções do infinito não mais correspondo.

Da sombra que hoje sou nem coração persiste...
Como inquirir nos sentimentos tudo o que vejo?
Não há profundidade naquilo que nem existe...

Meus sonhos adormecidos me levam a crer
que de tão secreto, um grande amor perdi
e os anseios eloquentes eu deixei morrer.


Carmen Lúcia



sábado, 21 de fevereiro de 2015

A vida em Ré maior



Re comece
toda dia amanhece
mesmo que você não queira
ainda que você se feche
a manhã sempre aparece.
Re verta
em sabores, os dissabores,
das rochas também nascem flores,
dos espinhos, a evolução.
Re ligue...
o ato de religar
gera religião, comunhão,
transcende, acalma,
comunga seu corpo com a alma.
Re encontre
valores verdadeiros,
hoje, forasteiros,
amanhã, herdeiros a perpetuar sua história.
Re viva
momentos inesquecíveis
retratos da ausência, partículas de essência,
breves, infalíveis, realezas,
sopro de brisa afugentando a tristeza.
Re nove
a vida, o modo de agir,( re)agir,
mudança( re)quer sacrifício
e por mais que seja difícil
contribui para crescer.
Re construa
"setenta vezes sete"
os muros desmoronados,
ruínas de castelos que esmorecem
onde sonhos entre escombros permanecem.
Re produza
a frase que se perdeu
o texto que deixou rastro
palavras sem significados
o poema que não escreveu.
Re veja
tudo que pode ser costurado,
customizado e transformado
planos a serem ( re)formulados
passos que possam ser acertados.
Re considere o que vale a pena
Re vele o que o âmago impele
Re dobre a paixão pela vida
Re inaugure aquela estação esquecida.
Re nasça todo dia, na fala do dia, no improviso das horas.
(Carmen Lúcia)

domingo, 15 de fevereiro de 2015

A dor do poeta






Arranca, poeta, a dor dentro do peito,
lembra-te que pra tudo há um jeito
imbuído no lirismo ao encarar a vida.

Sorve tuas palavras, prevalece teu dom,
aquele que ousa ressuscitar a flor
quando despetalada pelos campos, jaz.
Mostra ao mundo do que és capaz.

Chora tua dor em versos,
registra-a no papel em branco,
no branco que simboliza a paz.

Geme em rimas a dor maior
fincada na essência de tua essência,
aquela que não mais quer sentir
e persiste em tua existência.

Desabotoa as aflições que te sufocam,
lembra das estrelas que se apagam e voltam
a brilhar em galáxias distantes
e te trazem o brilho mais brilhante.

Sorri ao te defrontar com o oceano.
Chora de emoção por cada gota ofegante,
devolve ao mar tuas lágrimas salgadas
e resgata a alegria arrebatada num instante.

Faz, poeta, o que a alma pede
e a razão acusa...
Canta alto tua poesia,
desperta tua musa.

(Carmen Lúcia)



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Lembranças e lembranças




Sem querer ficaram lembranças
e até onde o tempo alcança
e a mente consegue chegar
não há o que desfaça...
Querem se fazer lembrar.
São lembranças que não quero ter,
não quero guardar, fazem doer.
Sonhos que não quero sonhar. Já sonhei.
Quero acordar.
Vestes que não quero usar. Mudei.
Melhor trocar.
Lembranças dispersas, perversas,
universos que não são meus,
rancores, retrancas, sentimentos ateus,
fuligens que se espalham a favor do vento
e se escondem por detrás do tempo,
sombras da vida que me despedi,
emoções que não quero mais sentir.
Lembranças mortas, pouco me importa
se querem me levar ao juízo final,
se ainda tentam me fazer algum mal.
Refaço, pouco a pouco, meu jardim,
reconstruo a crença que sigo,
recomeço pelo fim.
Planto amores, luzes, canteiros de flores,
mudo a paisagem, acendo refletores.
De bem com a vida recolho fragilidades
das idas e vindas, lágrimas de orvalho,
pétalas macias a esperar o novo
e clarear o meu caminho, de novo.
Lembranças que se farão amanhã
mais fortes que os restos mortais do ontem,
palavras nascidas da luz da manhã
costuradas num novo horizonte
escreverão minha nova estrada
da alegria da alma restaurada,
alma leve de profundidade,
lembranças que se chamarão "Saudade".

(Carmen Lúcia)