quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Sós



                     

Agora estamos irreversivelmente sós,
embora juntos estejamos nós.
Dia a dia, a cada instante que passa,
 juntos e a anos luz de distância.
Corpos carentes de alma
ancorados para sempre num cais
onde a névoa impossibilita a visão,
correntes nos lembram prisão
de onde não se sai jamais.
Cumprimos tantas estapas,
andamos os mesmos passos,
dançamos a mesma valsa,
ora em sintonia, ora em descompasso.
Amamos o amor que nos foi legado,
ainda que a melodia, por vezes, soasse falsa,
ou nos calasse a voz para que víssemos
as mudanças das cores do arrebol,
 cada milímetro de movimento dos matizes
a nos encantar, nos colorir, fazer felizes,
sentindo emoções que atingiam o sol
vendo a luz dançar permeando o tempo,
iluminando o vento, passando entre nós.
Estranhos... e nos conhecendo tanto,
desconhecendo-nos, entretanto.
A música parou, a dança acabou, a luz apagou.
Não há como explicar o início ou o fim,
nem como tudo terminou assim.
Quando  acaba a canção
sai de cena a paixão
e o silêncio, o  ritual da solidão.

_Carmen Lúcia_


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O dia nasce todo dia





O dia nasce iluminado.
Talvez nasça assim diariamente,
só hoje o percebo diferente,
nada encoberto, nada entreaberto.
Escancarado.
Porta aberta para os sentimentos
que se perdem por ressentimentos
e querem nova oportunidade.
 Renascerem diferentes,
 sentidos profundamente,
achados pela diferenciação
 em tempo do amor-consumação,
Serem coração.



O dia nasce mais uma vez,
chance de costurar o que se desfez,
reescrever a vida nas linhas que sobram
dando ênfase a sua história
ou recomeçá-la no papel em branco,
espaço  nunca preenchido,
tempo inútil consumido
pela ausência de um sorriso,
por não saber ter vivido,
pelo sonho interrompido,
 amor não correspondido,
não ter visto a luz do dia
deixando-o simplesmente amanhecer,
e escurecer.

O dia nasce outra vez.
Quantas outras nascerá?

_Carmen Lúcia_


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A mesma chuva





A mesma chuva que molha meu corpo
molha também o teu.
A mesma nuvem pesada 
que escurece meus dias
escurece os teus.
A mesma lama parda e suja
que escora a água da chuva
revela vestígios de nossas pegadas
em direção contrária à luz...

O céu macilento e triste que vejo
é o mesmo que tu vês.
O pranto que minh’alma chora
é o que chora a tua, agora...
Fomos feitos do mesmo barro,
da mesma massa encruada,
pérolas negras geradas no lodo
que não preservaram a beleza,
aviltaram tamanha grandeza
imbuída na palavra amor...

Passamos ilesos por ela
sem perceber o que gera,
sem nos ater no real valor.

Hoje é cada um por si...
perdemos a chance oferecida.
Não vimos o céu se abrir,
deixamos a chuva inundar nossa vida.
Fechamos janelas, facilitamos partidas,
perdemos o chão, a ocasião...
sucumbimos no vazio da solidão.


_Carmen Lúcia_

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Morada da poesia



Ainda não sabia de poesia...
E seus olhinhos percorriam a fantasia.
Tudo podia...
Estar aqui ou alcançar estrelas.
E sem nenhum esforço, conseguir tê-las...

Ainda não sabia de poesia...
E de seus passos, a mais linda coreografia.
De sua alma, a expressão que traduzia
naquela dança, a vida que em si surgia.

Ainda não sabia de poesia...
Fixava seus olhos no desabrochar da flor.
E a via pequena, gigante, de toda cor...
Nenhuma outra magia a tiraria desse torpor.

Ainda não sabia de poesia...
Seus pés descalços na água do mar
transformavam sal em açúcar...
E as ondas brancas, golfadas de algodão-doce,
batizavam seu corpo de menina e moça.

Percebeu a poesia
ao descobrir o descompasso de seu coração.
Pulsações irreverentes, batidas diferentes,
e no papel
registrou o que sentia...

Sentiu a poesia...
Descobriu sua morada.
Por todos os cantos, recantos,
encantos e desencantos...
Viu-se cercada.

E a poesia mora
na lágrima que rola,
no sorriso que esconde a dor,
no riso anunciando amor...
No botão que se transforma em flor.

Ela está por toda a parte...
Basta apenas perceber
e do estado latente,
fazê-la acontecer.

Carmen Lúcia

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Alma de poeta




Alma de poeta

Tudo muda,
 arrefece,
mas a alma do poeta
permanece.
Inda em confronto com almas frias,
beiras de calçadas, esquinas, guias,
o  poeta é só poesia.
Transitando por faixas brancas,
faixas negras ou brandas,
indo ou vindo, direções opostas,
seguindo a mesma direção,
almejando qualquer estação
a alma do poeta se recosta
e se volta para uma vitrine
onde está à mostra
o que ele perpetua,
o gesto de ternura,
transparência total,
luz  de candeeiro
brilhante e pura,
delicada porcelana,
a vida que ama,
som de cristal...
Em tempo de guerra
ou tempo normal
a alma do poeta
o mundo aferra
de rico metal
de lírico vitral,
da lucidez insana
de seu sinal.

E a alma do poeta não perece.
Acontece.


_Carmen Lúcia_






domingo, 17 de agosto de 2014

A bailarina da tela




A música surge instantânea ...
Basta fechar os olhos
e a melodia se avoluma
 num som perceptível apenas
a quem há de mais sensível ...
 a quem foi legado
o dom sagrado de perceber
o imperceptível...

As cores, pinta-as o coração...
Tal deslumbre só é compatível às pulsações
de quem define as sensações,
gerando efeitos que invejam o arco-íris,
colorindo uma dança de emoções
num perfeito desequilíbrio da razão...

Uma aura de luz indefinida
define a moldura, incandesce  a pintura
da tela que se acautela quando percebida,
revelando a bailarina pisando cristais,
rodopiando espelhos a refletir
fragmentos de amores imortais.





_Carmen Lúcia_

Sobre o amor





Amor só é amor
quando nada o altera,
nem a tempestade forte,
nem o abismo que aterra.
Não vacila ao temor
nem congela com a espera.
Amor é combustível
inflamável, contagiante,
que move céus e terras,
em movimento ondulante.
É luz na escuridão
dos caminheiros errantes,
é bússola a nortear
caminhos de itinerantes.
Amor é sentimento que perdura,
abriga-se no útero, abraça o embrião,
se faz seu coração até a idade madura
amenizando as dores até a última pulsação.
O amor permeia as estações.
Faz do inverno, primavera,
outono cheio de emoções.
No verão, sol que aquece a alma,
dourando sonhos, consolidando quimeras.
O amor prima pela simplicidade,
vibra com a verdade,
basta sentir e se deixar levar...
Sentimento puro e nobre
que gera a paz, a amizade, a solidariedade,
mas que muitos encobrem
orgulhosos por não se fragilizar.
Riqueza gratuita que alguns ignoram
presos à cobiça de não compartilhar,
surdos à Palavra que ensina a amar.

_Carmen Lúcia_


quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Nada mudaria





Se eu registrasse
as dores que vivi,
espinhos que colhi
encobrindo as rosas do caminho...
As decepções ingeridas,
sorrisos camuflando o pranto,
desencantos, desenganos,
seria apenas mais um clichê
e nada mudaria...

O mundo continuaria a girar
trazendo a noite e o dia,
as mesmas emoções sentidas
permeariam , sob medida,
as imutáveis estações
elegantes ou mal vestidas.

As mesmas esperanças no amanhecer,
mesmos pedidos de novas chances,
recomeçar ou renascer...
Mesma nostalgia ao entardecer,
expectativa da noite para os amantes
que já não são como antes...
Não veem a lua,
perambulam pela noite nua.

Se poesia eu quisesse escrever
alguns realces poderiam surgir,
novas nuances a se expandir
pressionando o sorriso a marcar o papel...
Maquiagem irreal, trunfo ilegal .
No mais, tudo como antes...
Temas, argumentos, sentimentos,
atenuantes...
Se eu chorasse, se eu gritasse
ou implorasse...
Não faria diferença ao mundo.

Carmen Lúcia

sábado, 9 de agosto de 2014

Ao meu pai



Volto ao passado.
Tão distante e tão presente.
Tão gravado em minha mente...
Nem o passar da vida inteira
o distanciará de minha lembrança,
de meus tempos de criança.

Tempos idos e vividos.
Clareados de esperança.
Pai!
Palavra que em meus lábios emudeceu,
mas que em meu coração nunca morreu.

Que minh’alma fala olhando pro céu,
pois sei que agora é lá sua morada,
de lá ele me vê,sua filha amada
que aqui na terra ficou,tão pequenina,
mas que guarda uma saudade tão grande,
que nem sei como pôde um coração de menina
carregá-la tanto tempo,sem apagá-la um instante.

Meu pai,tão cedo foi levado de mim.
Mas seu pouco tempo foi tanto
que mesmo deixando rolar o meu pranto
ainda sorrio por ter tido um pai assim.
Foi Papai Noel, Super Homem, Super Amigo e mais...
Traçou em minha infância tudo o que hoje sou capaz.

_Carmen Lúcia_

domingo, 3 de agosto de 2014

Amor transcendental




Te amei...
mais do que a mim mesma
 
Te amei...
acima de todos os credos e conceitos
 
Te amei...
ao transcender o topo da supremacia
 
Te amei...
amor incondicional, sem princípio nem final
 
Te amei...
sem preconceitos, normas ou direitos
 
Te amei...
com toda a sabedoria do universo
 
Te amei...
com a insanidade lúcida dos amantes
 
Te amei...
ao encontrar-te nos meus versos
 
Te amei...
como o poeta ama a poesia
 
Te amei...
vislumbrando a primavera em cada estação
 
Te amei...
fiz de ti meu pergaminho e religião
 
Te amei...
nos avessos dos defeitos onde repousa a essência
 
Te amei...
a cada nascer e pôr do sol
 
Te amei...
vivendo os vendavais esperando o arrebol
 
Te amei...
no silêncio de tuas respostas
 
Te amei...
na realidade transitória que perpetua nossa história
 
Te amei...
nas lágrimas vertidas que a alma revigora
 
Te amei...
durante o sofrimento valido a pena ter sofrido
 
Te amei...
quando te achei ao te achares perdido
 
Te amei...
e te amarei para sempre...
muito além do que for permitido...

_Carmen Lúcia_

16/07/2011

Se não houver sol



 Se não houver sol, eu imagino,
e o dia irrompe com clarão divino
em minha fértil imaginação.
As frases vêm com as manhãs
e se estendem pela tarde que se empenha
e se embrenha num  horizonte de aquarelas
até a vinda da primeira estrela da constelação.
Entram por janelas escancaradas,
deitam na cama, esparramadas,
a espera da noite de lua,
dos acontecimentos da rua,
dos detalhes esquecidos,
do escuro das esquinas nuas.
Versos perdidos, sofridos,
palavras sem significados
na reconstrução de sentidos,
na restauração dos fatos,
sentimentos indefinidos,
sem rimas nem refrão.
Descrevem a solidão
sob um luar a sombrear
 vestígios na escuridão.
De repente, a madrugada
anuncia a alvorada
branca, esquálida, pálida.
Um outdoor na calçada
clareia minha inspiração.
Vejo a noite virar dia,
a lua virar sol,
 melodia ser canção,
sinfonia , arrebol
e os versos captados
de onde se pôde chegar
compõem o poema-magia,
 sonhos que ainda irei sonhar.


_Carmen Lúcia_
  



sábado, 2 de agosto de 2014

Realidade




De repente o sorriso se apaga,
o tempo se fecha, o dia se acaba.
O medo invade, muda o cenário...
O coração persuade, em vão, a realidade.
Não há argumentos contra seu impacto.
Surge inesperada, inexoravelmente real.
Muda o contexto, o texto, o pretexto...
Rouba a cena, contracena, realiza seu ideal.
Traz a tristeza, intérprete principal
e dentro dos limites de nossa força
passamos a vivenciá-la intensamente,
distanciando-nos do mundo, sorrateiramente,
e a cada experiência, uma ilusão cai por terra...
Clamamos pela coragem, força contrária ao medo.
Paralisar o caminhante seria o segredo.
Mas essa imensa montanha assustadora
envolta em mistérios, herança ancestral pré-histórica,
prostra-se a nossa frente, barreira fantasmagórica,
mostrando-nos todas as formas de medo,
guardião dos portais para o desconhecido,
levando-nos a crer na mais ingênua mentira
num fazer de conta que somos,
sem nada sermos...
A vida nos comanda à realidade...inesperado
convite marcado, lacrado, convocado...
sem o passaporte da coragem,
sem o aviso prévio...
Convite  inopinado..

_Carmen Lúcia_

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Agosto



              
Quantas vezes morri  e renasci...
beijei as folhas secas de um chão ressequido
coladas em meu rosto pelo suor e lágrimas.
O vento da estação levou o meu canto,
 dissipou a brisa que soprava meu pranto
deixando a poeira arder meus olhos.

Agosto, dias sem inspiração, inversos a versos
regados a partidas sem vindas, sem vidas,
 despedidas, ais, barcos sem velas, sem cais.
Lágrimas que deixam na boca o gosto de sal,
entorpecendo a alma, trincando o cristal.

Agosto que trago colado em minha retina,
 enroscado em meu fado, minha sina,
peso de um legado abandonado e bandido
que mesmo sem querer, trago comigo.
Acervo de minhas dores, meus desgostos,
meus dissabores, meus rancores.

Deito-me na terra seca, empoeirada,
cravo-lhe minha alma desarmada,
encosto meu ouvido aturdido
a espera de quem não quer nada
e ouço ressoar em seu mirrado ventre
a flor em semente ser gerada
prenunciando setembro, enfim,
anunciando que agosto terá fim.


_Carmen Lúcia_