sábado, 31 de maio de 2014

De novo, amanhece...




O dia amanhece e nada acontece.
Um marasmo que atrofia
me impede de  agir
 ignorando o dia,
levando-me a desperdícios.

Desprezo as boas novas da manhã,
rasgo o papel em branco no afã
de não reverter o texto,
viver o mesmo contexto,
dar vazão ao pranto
como se lágrima fosse bom pretexto.

Perco a chance do recomeço,
vejo rolarem as horas
pelo ralo do esgoto de minha inércia
ciente de que cada minuto perdido
é tempo que poderia ser vivido
num saber viver de ter valido a pena.

O dia anoitece e nada acontece,
a calma reinante irrita minh’alma.
Clamo pela inquietude a me chacoalhar,
a me dizer: Vai lá!
Uma prisão fictícia me alicia,
asfixia meu recomeçar.

O silêncio vem com a madrugada.
De tão calada aguça minha indolência
sob a luz do branco opaco da lua minguante
e do tremeluzido brilho de uma estrela oscilante
pactuando com o quebra-luz de meu quarto.

Amanhece ...e nada acontece.

_Carmen Lúcia_



quinta-feira, 29 de maio de 2014

Sem fronteira



Do lado de cá da fronteira
vivo a observar
o mundo restrito em que vivo,
um andar de lá para cá,
um voltar pra cá e pra lá,
um querer sem se aventurar,
um “qualquer dia chego lá...”
sem nunca sair do lugar.

Sem recomeço, fim, só desvaneço,
um quê de pouca esperança,
parecendo ter em cada canto
um círculo em movimento que avança
e me lança pra trás, pra frente,
me gira, revira e devolve
ao mesmo ponto de ida...ou de vinda,
sem ocorrer qualquer mudança.

Para o lado de lá da fronteira,
mesmo sem eira nem beira,
é onde quero chegar
se ousar quebrar a barreira
que me separa do lado de lá,
me livrar da lida rotineira
que me ata os pés
coibindo-me de voar.

Quando superar meus limites,
minhas longitudes, finitudes,
agravos de minha frágil geografia,
entenderei que ainda é dia
de atravessar a ribanceira,
e descobrir que não há fronteira.

_Carmen Lúcia_





terça-feira, 27 de maio de 2014

Outdoor



Propagas teu mundo exterior, d’ aurora ao sol se pôr,
do choque de brilhos, prepondera a luz que te escora
e se revigora,  do crepúsculo ao arrebol,
quando arrebatas o clarão nascente da manhã.

És o que mostras, o exterior que se acende,
supérflua beleza que à noite realça e logo enfraquece,
 envaidece e se acaba, pois toda luz se apaga
se não se abastece da fonte natural que move a vida,
sem a essência decorrente do que sempre permanece .

Difundes teu ego entre luzes de todas as cores,
lanças teus pisca-piscas em busca de vis amores
num lusco-fusco de imaginárias utopias
onde o fascínio pelo anúncio luminoso cega e ludibria.

Anuncias o belo, o brilho, a ostentação,
esqueces o interior mergulhado na escuridão
mantendo o coração envolto em nevoeiro
num blecaute que percorre o espírito por inteiro.

_Carmen Lúcia_


segunda-feira, 19 de maio de 2014

Paixões e solidões




Se o nó na garganta engasga
e o soluço preso entala,
quem sabe a alegria virá
com cada manhã que sempre vem
soprando o mal e aliviar
trazendo alguma surpresa
que lhe faça bem
ou faça chorar.

Se o que lhe pesa a alma, cansa,
siga a luz do sol que abrasa
a dor que carrega, e lhe abraça
enquanto você para e descansa
sob a luz que a alcança
e faz você dançar...
a dança que traz na lembrança
e que um dia poderá esquecer
ou dentro de você morrer.

Mas enquanto pode, dança.
Explora o que guarda na lembrança,
libera o grito da garganta.
Ninguém a ouvirá.
Desentala o soluço que sufoca,
ninguém  se importará
com o que você faça ou fará.
Nem mesmo o tempo irá parar
para entender as paixões
ou se comover com solidões.

_ Carmen Lúcia_








Rupturas




De repente, a expulsão...
Rompe-se o cordão,
O calor daquele abrigo.
A união umbilical 
rompida pela contração.
O frio, o desconforto,
o susto que faz chorar,
o ter que encarar
a separação.
O mundo.
 
De repente, cerra-se a cortina,
muda-se o cenário,
embaçam-se as luzes,
tremula a ribalta
de um palco improvisado,
perguntas impertinentes,
respostas não condizentes,
personagens alternadas,
história remexida,
show irreverente.
vida.
 
E as rupturas se vinculam.
Começo de caminhada,
o papel, as linhas tortas,
o branco sendo tingido,
o sentido das palavras,
o destino a se cumprir,
tempo a exigir:
“Ande, não pare!”
O tempo.
 
Fase da colheita...
Colher o que plantou.
O cultivado, permanece...
O resto, esmorece.
Bem que se pudesse
o tempo pararia...
Uma nova chance.
Começar o Novo!
Não:De novo!
Carpe Diem.
 
Vem o cansaço,
o descompasso,
o desejo de parar
e a vontade de chorar
as partidas, despedidas,
amigosentes queridos,
sonhos não vividos
truncados pelos caminhos.
A realidade.
Saudade.
 
Às vezes, a Felicidade.
Momentânea, raridade.
De soslaio ela invade
e se vai sem alarde.
Reta de chegada.
Fim da caminhada.
(início de outra jornada?)
Atrela-se a ruptura...
A última, derradeira.
(ou seria a primeira?)
Maktub.
 
 
_Carmen Lúcia_
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domingo, 18 de maio de 2014

Caminhada



O caminho não será longo
se abrirmos as janelas
e observarmos que adiante delas
solo árido nem sempre é assim,
que ainda há flores pelos jardins.
 
Se saciarmos a sede
na fonte da vida que jorra sem fim
a água que nos faz renascer
ao nos sentirmos morrer...
 
Se dermos sempre uma pausa
driblando o cansaço para prosseguir,
e em cada parada, ver  a paisagem
que enfeita as beiradas
gerando a terceira margem...
 
O caminho não será longo
se em cada escalada de lágrima e dor
plantarmos sementes de frutos do amor,
ainda que regadas de sangue e suor
concretizando nossa essência,
desatando a embalagem e os nós.
 
Se driblarmos o confronto
de um repudiado encontro
onde a vida retrata sem dó
as  vicissitudes
varrendo dos nossos encantos,
o pó. 
 
 
         
 
       (Carmen Lúcia)
 

domingo, 11 de maio de 2014

Amor de mãe (dor sem nome)



No peito, o coração chora...
Em silêncio emite uma oração
levada a todos os cantos
pelo poder da emoção
que transcende o limite das horas,
do tempo, do espaço, do cansaço.
O limite de si mesmo.
Prostra-se ao chão
em sublime submissão,
em forma de cruz, simbolizando Maria,
Jesus!

Há muito o ritual é executado,
desde o dia em que ele fora levado.
Chora sem lágrimas...
O pranto secou
sem estancar a dor que ficou
e sangra a saudade infinita que arde,
queima, persiste, invade.
De joelhos, implora...
Senhor, traz meu filho agora!

O vazio instalado na alma a escora,
o colo que o acalantava ainda balança,
no regaço ainda envolve num abraço, a criança,
que mesmo crescida, sempre o será,
que não estando aqui, sempre estará.
E a voz entoa a velha cantiga de ninar...

Olha para o céu.
A última estrela ainda não se apagou.
Seria um sinal de que ele voltou?
Seria o filho, a estrela que ali se postou?
Transmuta-se para lá
seguindo aquele brilho a lhe guiar.
Amanhece o dia, desfaz-se a magia.
E a dor (sem nome) ocupa seu lugar.


(Carmen Lúcia)

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Suicida


Em espirais a fumaça se esvai
feito nuvens carregadas de tormentas
que a qualquer momento tendem a desabar
numa chuva de cinzas corrosivas que fomenta.

Digladiam-se no peito deflagrado
sentimentos de ansiedade e de tortura
e a negra nicotina tarja o luto antecipado
ante a fragilidade de um “nunca mais” mal soado
e a vitória de um vício que quer sempre mais.

Ao sentir-se encurralado,
os pulmões infectados,
quer parar pra respirar...
Não mais traga. É tragado.


_Carmen Lúcia_